terça-feira, 26 de março de 2019

Poema do Coração (António Gedeão)


Eu queria que o Amor estivesse realmente no coração,
e também a Bondade,
e a Sinceridade,
e tudo, e tudo o mais, tudo estivesse realmente no coração
Então poderia dizer-vos:
"Meus amados irmãos,
falo-vos do coração",
ou então:
"com o coração nas mãos".


Mas o meu coração é como o dos compêndios
Tem duas válvulas (a tricúspide e a mitral)
e os seus compartimentos
(duas aurículas e dois ventrículos).
O sangue a circular contrai-os e distende-os
segundo a obrigação das leis dos movimentos.


Por vezes acontece
ver-se um homem, sem querer, com os lábios apertados
e uma lâmina baça e agreste,
que endurece a luz nos olhos
em bisel cortados.
Parece então que o coração estremece.
Mas não.
Sabe-se, e muito bem, com fundamento prático,
que esse vento que sopra e ateia os incêndios,
é coisa do simpático.
Vem tudo nos compêndios.

Então meninos!
Vamos à lição!
Em quantas partes se divide o coração?

António Gedeão - Portugal (Lisboa, 1906-1997)

Sem comentários:

Enviar um comentário