sábado, 6 de novembro de 2010

O Senhor Imperador em Lisboa

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“Este império chim foi sempre correndo por direitas sucessões de uns reis nos outros, desde aquele tempo até uma certa idade que, segundo parece pela nossa conta, foi no ano do Senhor de mil cento e treze, e então foi esta cidade de Pequim entrada de inimigos, e assolada, e posta por terra vinte e seis vezes. Mas como já neste tempo a gente era muita e os reis muito ricos, dizem que o que então reinava, que tinha por nome Xixipão, a cercou toda em roda da maneira que agora está …” (*).
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Quatrocentos e vinte e sete anos depois de Fernão Mendes Pinto, aventureiro luso no Oriente; vinte e três depois de Bernardo Bertolucci, inspirado realizador; quarenta e três sobre Pu Yi, “o último imperador” – eis que desembarca em Lisboa Hu Jintao, Presidente da República da China.
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Chega, com um séquito de ministros e empresários, num tempo de manifestações anti-eixo Berlim-Paris (cortes obrigatórios de salários, desbaste de pensões, amputação de abonos sociais, condenações à miséria em nome da resolução do sacratíssimo défice dos países pobres da Europa).
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Hu Jintao bate-nos à porta enquanto os doutos catastrofistas da Pátria lusa se acotovelam nas colunas dos jornais ou nos estúdios de TV para debitarem, cada um à vez ou em coros esganiçados, na sua subserviência rasteira perante os impiedosos poderes da alta finança, as suas receitas de terror para um povo cuja verdadeira desgraça foi ter nascido na mesma terra do que eles…
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E falam, e receitam, e falam, e receitam (que se corte ainda mais nos salários, que se entre sem piedade pelas pensões, que se reduzam a cisco os abonos…).
E continuam a falar, a receitar - e a comer desalmadamente das arcas públicas.
Luzidios, prósperos, fartos, principescamente remunerados, comodamente refastelados no conforto obsceno e meramente opinador das suas cátedras de incompetência e de ética ausente.
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Fazem lembrar, no resfolegar satisfeito da sua fama passageira, aqueles “carneiros bem medrados” de que falava o mestre Aquilino Ribeiro.
É por causa de gente como esta, e daquilo que ela representa, que o mundo se purifica de vez em quando em revoluções redentoras - por sua vez impiedosas....
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Chega, entretanto, o senhor imperador - que já não é o Xixipão de Fernão Mendes Pinto, mas o honorável Hu Jintao.
Perguntam uns tantos do povo: será que o senhor nos compra a dívida mais em conta, aliviando-nos da pressão dos nossos credores europeus?
Nos dias que correm, é tudo quanto parece contar...
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É pois o tempo de outras estratégias, de novas amizades, de exóticas alianças.
Mas, com amigos comunitários como os Alemães e os Franceses, quem precisa de inimigos?
Que viva, então, a China?
Que viva, então, o novo imperador – depois de Pu Yi?

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(*) - Fernão Mendes Pinto - Peregrinação
Publicações Europa-América - Lisboa - Portugal
1.º vol., pág. 241.
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