1. O capitalismo globalizado esvaziou o papel dos mecanismos reguladores da tensão entre o mercado e o Estado.
O cerco neo-conservador impôs o pensamento único por toda a parte: diminuição do papel do Estado, esvaziamento dos serviços públicos, precariedade, guerra aos sindicatos.
Na Europa, o desequilíbrio entre uma política monetária restritiva e políticas sociais vagas impediu a emergência de alternativas.
Em Portugal, devido às fragilidades estruturais, o Estado tornou-se cada vez mais refém de interesses privados ilegítimos.
Agora até os defensores do Estado mínimo, ideologicamente derrotados, pedem uma maior intervenção do Estado.
Mas para quê?
Suspeita-se que para socializar as perdas e privatizar os ganhos.
É um caminho ética e politicamente inaceitável.
Quando cresce o número dos desempregados e desfavorecidos, não é possível um país pobre injectar milhares de milhões na banca.
Sobretudo quando é preciso dinheiro para garantir a sustentabilidade das políticas públicas na educação, na saúde, na segurança social, na justiça.
2. O agravamento da crise vem pôr em causa os objectivos que até aqui tinham norteado a política do governo.
O défice orçamental vai de novo ultrapassar o limite dos 3%.
A dívida pública vai atingir valores nunca antes atingidos.
O desemprego, as desigualdades, a pobreza a injustiça social vão agravar-se.
3. Precisamos de ter a coragem de mudar.
Coragem para mudar a sociedade e a vida.
Coragem para se saber de que lado se está do ponto de vista das lutas sociais.
Coragem para dialogar onde até agora se monologava.
Coragem para corrigir políticas e comportamentos que contradizem o que foi prometido.
Coragem para procurar soluções políticas novas, sob pena de as mesmas causas continuarem a produzir os mesmos efeitos.
4. A reorientação política da acção governativa tem de se tornar visível em áreas decisivas para a qualidade de vida das pessoas e para a qualidade da própria democracia.
Somos na União Europeia o país com maior desigualdade na distribuição da riqueza.
Quando 52% das famílias pobres em Portugal têm como rendimentos principais os rendimentos do trabalho e cerca de 40% trabalham por conta de outrem, a “culpa” não é dos pobres.
A persistência da pobreza nestas condições não é apenas uma questão social, é estrutural e é de modelo económico. (...)
(...) 6. Há que tirar partido dos nossos pontos fortes - a língua, a cultura e a história - em virtude dos quais a capacidade de influência de Portugal vai muito para além do seu peso demográfico e económico.
Não é aceitável que em 2009, quando o Orçamento de Estado consagra, através do PIDDAC, mais de 4 mil milhões de euros aos investimentos da Administração Central, a promoção e defesa da língua portuguesa no mundo receba apenas um milhão de euros. (...)
(...) 8. O “pensamento único” conduziu ao endeusamento do mercado e à diabolização do Estado, mesmo quando os níveis de satisfação desceram, o desemprego aumentou e os custos dispararam.
À sombra das parcerias público-privadas floresceram grandes negócios privados e desvirtuaram-se regras de transparência obrigatórias no serviço público.
Casos de promiscuidade impune entre negócios privados e cargos políticos contribuem para agravar a descrença.
A submissão dos serviços públicos às regras da concorrência priva o Estado de intervir em áreas essenciais para a satisfação das necessidades básicas dos cidadãos e distorce a avaliação dos serviços prestados.
Os serviços públicos não podem ser tratados como se fossem uma qualquer mercadoria.
A perda de milhares de empregos no sector público não é condição de progresso.
E o encerramento de serviços públicos no interior do país contribui, às vezes de forma dramática, para a desertificação do território.
9. A defesa da transparência e dos serviços públicos passa pelas seguintes mudanças:
O artigo 86.º do Tratado Europeu, segundo o qual as empresas que prestam serviços de interesse económico geral estão sujeitas às regras da concorrência, deve ser contestado.
O Estado não deve continuar a entregar sistematicamente ao privado sectores económicos rentáveis, nomeadamente na área da energia.
É preciso reforçar os poderes reguladores e interventores do Estado e garantir que eles são exercidos com independência e em prol do interesse público.
O direito à água é hoje reconhecido como um direito humano; a exploração dos recursos hídricos nacionais tem que incorporar esse direito.
A escola pública, o serviço nacional de saúde e a segurança social pública são garantia de direitos fundamentais dos cidadãos e como tal devem ser defendidos e reforçados na prática.
Há que definir políticas públicas para as cidades e zonas urbanas, que incluam o transporte, a habitação, o património, a cultura, o ambiente, o espaço público e a participação cívica.
A especulação imobiliária em Portugal permite a acumulação de mais-valias milionárias a partir de decisões administrativas das autarquias ou da administração pública.
Há que impor regras novas, limitando a privatização de mais-valias urbanísticas, à semelhança do que ocorre na generalidade dos países da OCDE.
O combate à corrupção e à promiscuidade entre partidos políticos, autarquias, Estado e mundo empresarial é um dos pilares da reforma da política.
Exige regras legais claras, meios de fiscalização eficazes e efectiva sanção penal de quem pratica tais actos.
A melhor forma de combater a corrupção é promover a transparência das decisões dos poderes públicos, o escrutínio da utilização dos dinheiros públicos e o reforço da capacidade de fiscalização, controle e participação cívica dos cidadãos." (*)
(*) - Extraído de: Manuel Alegre - Revista OPS! - n.º 3 - Março 2009 - Lisboa - Portugal
(Negritos e grafismo da responsabilidade da Torre)
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