domingo, 18 de abril de 2021

O Homem, As Viagens (Carlos Drummond de Andrade)





O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria
e pouca diversão,

faz um foguete,
uma cápsula,
um módulo,
toca para a Lua

desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua.

Lua humanizada:
tão igual à Terra.


O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte -
ordena a suas máquinas.

Elas obedecem,
o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte
com engenho e arte.


Marte humanizado,
que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?

Claro — diz o engenho sofisticado e dócil.
Vamos a Vénus.
O homem põe o pé em Vénus,
vê o visto — é isto?
idem
idem
idem.


O homem funde a cuca
se não for a Júpiter
proclamar justiça
junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto repetitório.


Outros planetas restam
para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-Terra.

O homem chega ao Sol
ou dá uma volta só pra te ver?
Não vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol?

Põe o pé:
mas que chato que é o Sol,
falso touro espanhol domado.


Restam outros sistemas
fora do solar a colonizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem (estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:

pôr o pé no chão do seu coração
experimentar,
colonizar,
civilizar,
humanizar o homem

descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene,
insuspeitada
alegria de conviver.


(Carlos Drummond de Andrade - Brasil)


2 comentários:

  1. O poeta Drummond só tinha dinheiro para escrever suas primas, ao manter-se n0 emprego público- no Rio de Janeiro. Sabia, como mineiro, q era melhor "comer quieto" , e ter tempo para extravasar a fantastica imaginação e voar com seu talento a todos os mundos do universo. Foi um sábio com as palavras. Um poeta extraordinário chamado Carlos! Texto: @nelsonrubenstv @nelsonrubensokok - 21/abril/2021 - Dia de Tiradentes- SP - Brasil

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  2. Caro Desconhecido, Carlos Drummond de Andrade foi realmente extraordinário e sábio, um dos maiores poetas de todos os tempos (e não só de língua portuguesa). Obrigado pelo comentário e volte sempre.

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