domingo, 11 de novembro de 2007

Ramalho Ortigão - Fracasso do Rotativismo (Um Texto Com 96 Anos)

(Retrato de Ramalho Ortigão - por Columbano Bordalo Pinheiro)

"O acordo de dois partidos, revezando-se sucessivamente no poder, dizendo-se um liberal e outro conservador, segundo o regime inglês, falhara inteiramente na sua reiterada aplicação prática.
O jogo permanente dessa rotatividade representativa, com vinte anos de funcionamento automático, desgastara todas as engrenagens, boleara todos os ângulos, puíra todas as arestas, safara todos os cunhos que caracterizavam o sistema.

Quem eram os liberais que pela contribuição de novas ideias se propunham acelerar a energia propulsora do parlamentarismo no sentido do mais rápido progresso?
Quem eram os conservadores incumbidos de coordenar a marcha e de manobrar os travões do maquinismo?...

Ninguém o saberia dizer, porque nenhum dos dois partidos a si mesmo se distinguia do outro, a não ser pelo nome do respectivo chefe, politicamente diferenciado, quando muito, pela ênfase pessoal de mandar para a mesa o orçamento ou de pedir o copo de água aos contínuos.

Um facto sumamente grave preocupava, no entanto, a atenção dos que isoladamente contemplavam a integral concatenação dos acontecimentos.
Esse facto era a decomposição da sociedade, lentamente, surdamente, progressivamente contaminada pela mansa e sinuosa corrupção política.

Quantos sintomas inquietantes!

A indisciplina geral,
o progressivo rebaixamento dos caracteres,
a desqualificação do mérito,
o descomedimento das ambições,
o espírito de insubordinação,
a decadência mental da Imprensa,
a pusilanimidade da opinião,
o rareamento dos homens modelares,
o abastardamento das letras,
a anarquia da arte,
o desgosto do trabalho,
a irreligião,
e, finalmente,
a pavorosa inconsciência do povo."


(Ramalho Ortigão - Últimas Farpas - 1911)

José Duarte Ramalho Ortigão nasceu no Porto a 24 de Outubro de 1836. Os primeiros anos da infância passou-os no campo, em casa da avó materna. Frequentou o curso de Direito em Coimbra, que não concluiu.
De regresso à sua cidade natal, leccionou Francês, durante alguns anos, no Colégio da Lapa, dirigido por seu pai, onde teve como aluno o jovem Eça de Queirós.

A partir de 1862 dedicou-se ao jornalismo. Foi crítico literário do Jornal do Porto e colaborou na Revista Contemporânea e na Gazeta Literária. Iniciou-se no jornalismo e na literatura no momento em que a segunda geração romântica dominava as letras portuguesas (Camilo, Soares de Passos, Arnaldo Gama...).


Por esse motivo, não é de estranhar que tenha participado na célebre polémica conhecida por Questão Coimbrã, com o texto Literatura de Hoje (1866), defendendo António Feliciano de Castilho dos ataques que lhe eram dirigidos.

Essa atitude acabou por levá-lo a enfrentar Antero de Quental em duelo.
Apesar disso, anos mais tarde, vamos encontrá-lo ao lado dos jovens da Geração de 70. Foi nessa altura que escreveu, em colaboração com Eça de Queirós, O Mistério da Estrada de Sintra (1871) e as primeiras Farpas.
Quando Eça ingressou na carreira diplomática e foi nomeado cônsul em Havana (Cuba), Ramalho continuou sozinho a redacção das Farpas.

Em 1870 tinha sido admitido como funcionário da Academia das Ciências, o que lhe permitiu instalar-se definitivamente em Lisboa e dedicar-se, paralelamente, ao jornalismo e literatura.
Anos mais tarde, em 1895, viria a ser nomeado bibliotecário do Palácio da Ajuda.
Ramalho Ortigão, embora tenha mantido durante dezenas de anos um certo prestígio, nunca ombreou com Eça ou Antero como criador literário.

Na fase inicial das Farpas, mostrou-se um observador atento e crítico da vida portuguesa. No espírito da Geração de 70, e recorrendo a um estilo irónico, pretendia aproximar Portugal das sociedades modernas de então. A partir de 1872, a sua formação mais tradicionalista impôs-se e passou a dar mais atenção aos aspectos pitorescos da realidade portuguesa e a orientar-se por um certo bom senso burguês, pouco propício às mudanças radicais. Esse espírito conservador foi-se acentuando com a idade e, já no século XX, Ramalho acabou por se integrar na corrente nacionalista, então em formação.

Outro aspecto em que se distinguiu foi o das impressões de viagem, deixando-nos algumas obras que ainda hoje podem ser lidas com algum prazer.
Faleceu em Lisboa, a 27 de Setembro de 1915.


(De: Aprender Português - 2000)

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