domingo, 4 de novembro de 2007

Etosha, Namíbia - Dois Passos a Sul de Angola





"Etosha localiza-se a norte da Namíbia, antigo Sudoeste Africano, na faixa de território confinante com os limites meridionais de Angola. Consiste numa gigantesca depressão de dezenas de quilómetros, escavada na planície agreste, pincelada de tufos de capim e de vegetação rala.



Esta é uma região de contrastes e súbitas transformações, varrida por rumorosos torvelinhos de vento. Durante a maior parte dos dias, em que não chove, a lagoa conserva-se quase completamente seca. Mas no seu fundo requeimado de sol, juncado de crostas de lama endurecida, subsistem de longe em longe alguns charcos milagrosos, rasos e barrentos.

São reservas de vida, que, no entanto, se podem converter em ratoeiras de morte para os animais - gnus, zebras, girafas, antílopes - que delas se abeiram para aliviar a sede: embos­cados nas imediações durante horas longas e pacientes, os grandes felinos, como os leões e as chitas, raramente desperdiçam as oportunidades.


Nos derradeiros meses do ano instala-se a época das chuvas, anunciada por nu­vens tingidas de chumbo, baixas e pesadas, e por trovoadas estrepitosas.
Nessa al­tura, acontece o milagre.
A depressão de Etosha principia a inundar-se com as bá­tegas que desabam do céu e com os caudais de água drenados do norte, dos lados de Angola.



É então que a vida rompe, irreprimível e inesperada, de águas que se suporiam mortas. Multidões de peixes, de serpentes, de lagartos, de tartarugas, de rãs-bois, que sobreviveram à seca entranhados no subsolo húmido, fervi­lham à tona da água, nas orlas da lagoa.


Em redor vicejam capinzais a perder de vista, pintalgados de belas e delicadas flores, por onde se passeia um nervoso corrupio de animais recém-chegados. Nas águas regurgitantes de presas, bandos esfaimados de pelicanos, flamingos, capotas, garças, rolas e patos-mergu­lhões en­tregam-se a intermináveis banquetes.



Ao cabo de alguns meses, com o termo das chuvas, novo ciclo de desolação se inicia. Recomeçam então as grandes migrações das manadas, que palmilham as pistas áridas em busca de outros charcos e pasta­gens. E a vida torna a adormecer, até às próximas chuvas, no subsolo mira­culoso de Etosha." (*)

(*) José Bento Duarte - Senhores do Sol e do Vento - Histórias Verídicas de Portugueses, Angolanos e Outros Africanos - Editorial Estampa - 1999

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