sábado, 14 de julho de 2007

Núpcias na Ibéria: "Infantas de Portugal, Rainhas em Espanha"







Saiu em Junho e chegou há dias à Torre uma obra de Marsilio Cassotti, Infantas de Portugal, Rainhas em Espanha (A Esfera dos Livros, € 23,00), que aborda as uniões de "onze das doze mulheres portuguesas que, entre 1165 e 1816, casaram com outros tantos príncipes herdeiros ou reis de outros reinos peninsulares, convertendo-se assim em rainhas de Leão, Castela, Aragão e finalmente Espanha".
São elas Urraca (filha de Afonso Henriques); Teresa (Sancho I); Mafalda (idem); Constança (Dinis); Maria (Afonso IV); Beatriz (Fernando I); Isabel (neta de João I); Joana (filha de Duarte); Isabel (Manuel I); Bárbara (João V); Maria Isabel (João VI).

Já aqui se tinha abordado este tipo de laços ibéricos (em 8 de Julho de 2007), dando-se conta, como Cassotti faz agora na Introdução, de como eles por vezes se articulavam com inequívocos projectos de unidade das Coroas (normalmente as de Portugal e Castela). Cassotti aponta, e aponta bem, outros objectivos, como o da consolidação do poder do Estado, o alargamento das fronteiras ou a simples realização de manobras estratégicas defensivas (em relação a qualquer das outras nações ibéricas).

Extraia-se do texto da contracapa: "Esta obra aborda também a vida privada destas infantas. Os seus casamentos e gravidezes. As rivalidades com a rainha-mãe (ou seja, a sogra) e as amantes do rei (o marido). A educação dos príncipes (os filhos). As lutas pelo poder. O mecenato a pintores, músicos e arquitectos. As vocações religiosas. Trata-se de um fresco original e apaixonante da História de Portugal (e da Península Ibérica) através da felicidade e do sofrimento de onze portuguesas que deram prestígio ao seu país na amada/odiada Espanha".

Apesar do pequeno reparo feito abaixo, a Torre recomenda a leitura. A obra está bem estruturada, o autor trabalhou muito e o estilo é agradável. Marsilio Cassotti (como ele próprio informava há dias numa entrevista) não inventou, quer dizer, não cedeu à tentação de compor mais uma das execráveis (mas muito vendáveis) pasteladas que se alcunham atrevidamente de romances históricos e que, por deficiência insanável de autores com falta de arquivo e de reflexão - e para gáudio de alguns editores de preocupações culturais rudimentares -, nos infestam ultimamente as estantes das livrarias.
É que há romances históricos e "romances históricos". Situar-se em ambiências e enquadramentos históricos para inserir a trama romanceada é caminho legítimo; colocar na boca ou no gesto de uma personagem histórica o que ela documentadamente não disse ou não fez é trapaça cultural, maroteira sinuosa de mero caçador de edições.

(A propósito: devo ao inefável Campos Júnior - que Deus haja - ter palmilhado alguns anos da minha adolescência iludido - e bem iludido - acerca das proezas políticas do nosso terrível Pombal; Campos inventava delirantemente, facto sim, facto não, e o verdadeiro Marquês saiu irreconhecível daquelas páginas amarelecidas; é claro que nem o grande e probo Alexandre Herculano resistiu a meter uns pozinhos de imaginação (culturalmente) ilegítima nos seus devaneios romanceados; mas esse, ao contrário de Campos, tinha do outro lado, na sua obra "séria", o peso de uma genialidade que na Torre se não discute, merecendo por isso absolvição).

Obs. final - O pequeno reparo tem a ver com alguns descuidos de pormenor (descuidos de investigação ou de revisão?), como datas erradas, por exemplo.
Recomendamos à Esfera dos Livros e ao autor, Marsilio Cassotti, um esforço de correcção em próxima edição. Alguns exemplos:
nas págs. 169 e 194 indicam-se, contraditoriamente, as datas de 20 de Julho e de 11 de Julho de 1454 como sendo as da morte de Juan II de Castela (são ambas inexactas);
Enrique IV de Castela não nasceu em 1422, pág. 161 (mas sim em 1425);
a dinastia Trastâmara (originária de Castela) não começou a reinar em Aragão desde 1420, pág. 187 (mas sim desde 1412; relembra-se que, com o Compromisso de Caspe, acontecido neste ano, o regente de Castela - Fernando, irmão do falecido Enrique III - foi escolhido por um grupo de parlamentares como herdeiro da Coroa de Aragão; esta Coroa abrangia Aragão, Valência e a Catalunha, para além de um vastíssimo império mediterrânico que chegou a dominar a Sardenha, a Sicília e grande parte do que é hoje a Itália).

2 comentários:

  1. Muito interessante. Pena é que até os esforçados e cheios de boa intenção - como M. Cassotti - cometam o pecadilho das imprecisões...

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  2. Pelos vistos, nem na quarta edição foram revistos os erros que referiu e mais alguns como: "Urraca era a primeira filha de D. Afonso Henriques e Mafalda de Sabóia. Nasceu provavelmenteem 1150. (...)O Nascimento da última(filha)provocou a morte da rainha,em 1167, quando Urraca tinha apenas nove anos."
    Embora se possam considerar erros menores, ficam sempre mal numa obra deste género e que se deve reger pelo rigor. Uma coisa são datas que ficaram perdidas na própria história outra são estas "distracções".

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