sábado, 28 de julho de 2007

Lugares da Península - A Caminho de Granada



...Entretanto, mais poderosos que as polémicas, os lugares continuam, a terra permanece, a beleza e a sensibilidade ocupam triunfalmente esta bela Península multinacional em que temos a sorte de viver.

Do blogue Língua de Mariposa, uma viagem fascinada e inesquecível da brasileira Nora Borges:

"Quando soube que iria visitar Granada, eu sabia muito pouco sobre a cidade, mas já tinha em mente três coisas muito importantes para ver.

A primeira era a Alhambra, a cidade-fortaleza do último reino nazarí em Espanha, o monumento mais visitado do país.
A segunda era estar em Fuentevaqueros e na casa de Garcia Lorca.
E a terceira era conhecer a Capela Real da Catedral de Granada onde estão os restos mortais de Juana, la Loca.

Na época eu havia acabado de escrever alguns posts sobre ela e estava encantada em poder estar na mesma cidade onde a rainha havia desejado, inutilmente, enterrar o seu amado Felipe, el Hermoso. Talvez eu traga também para cá os posts sobre Juana. Vou pensar. Eu gostei tanto de escrevê-los!

Pero… há que respeitar os ensinamentos de Kavafis e aproveitar a viagem, antes de alcançar qualquer destino.
Aproveitei cada segundo da viagem de Madrid até Granada. É belíssima! E como eu sabia que passaria pela Rota de Quixote, não tinha pressa alguma em chegar. Admirei com calma a vegetação, os vinhedos espalhadas pelos dois lados da estrada, as bodegas de vinho, os moinhos de vento.

Para ir à Andaluzia desde Madrid é necessário atravessar Castilha La Mancha. E, como todos sabem, por aqui estiveram em espetaculares aventuras, Don Quixote e Sancho Pança, na fértil e prodigiosa imaginação de Miguel de Cervantes.

Na minha era como se os famosos personagens tivessem existido de verdade. Não canso de afirmá-lo, porque é assim que me sinto. Sempre. Para mim é como se tivessem feito parte da verdadeira história do lugar. Ali a fantasia e a realidade se entrelaçam de tal forma que eu podia ver sombras na colina, mais além do castelo e dos moinhos… e parecia escutar um murmúrio no ar que dizia: " En algun lugar de La Mancha, de cujo nombre no quiero acordar..." Me emocionei... soprei, quis ficar ali. Por que temos tanta pressa em chegar se há momentos tão especiais para deixar-se estar?

Deixei-me estar, imaginando ver e ouvir o cavaleiro andante, o louco e sonhador fidalgo suspirando por sua amada Dulcinea e lutando contra os moinhos de vento como se fossem perigosos gigantes enfeitiçados pela negromancia de seus inimigos invisíveis!

Prometi a mim mesma voltar ali para estar um dia inteiro, talvez dois. Há uma programação turística que leva pessoas de Madrid até essas paragens. Os moinhos foram recuperados, há restaurantes e pousadas lindas. Vale a pena!
Sugiro que venham... e deixem-se estar entre os caminhos por onde Don Quixote cavalgou com Rocinante e com o inseparável escudeiro e amigo Sancho. Sugiro que, "mientras tanto", se puderem, escutem as músicas de El Hombre de La Mancha… deixem que lhes falem ao coração.
E então compreenderão que não há pressa alguma em sair dali...


Entre Castilha La Mancha e Andaluzia, há uma estreita e perigosa passagem entre as montanhas de Sierra Morena. Gostei do nome. A passagem é a única possível para viajantes em carro partindo de Madrid. Vale o medo da estrada-serpente pela grande beleza de costear o Desfiladeiro de Despeñaperros. O nome é meio estranho, mas descobri que o signicado real vem da época das guerras entre moros e cristãos, em torno dos anos 1200. Esta passagem dificultava o avanço dos árabes para a região e quando estes perdiam as batalhas eram chamados de perros ( cães ) e executados sem apelação, sendo atirados nas profundas gretas entres os enormes rochedos.

Por ali há um bar e restaurante chamado Casa Pepe. É um rincão interessante, pois guarda muitas fotos, recortes de jornais e referências à época franquista espanhola. O dono é um dos fãs mais fiéis de Franco e de seu regime fascista "desde que nasceu".É tão espalhafatoso que o lugar foi ficando famoso dentro e fora da Espanha. " Se houvesse um prémio ao local mais "kitsch" do país e de vocação mais fascista ele ganharia a medalha de ouro." Garante o jornal espanhol El Mundo. É um lugar para descer do carro e tomar um café ou uma cerveja, tirar umas fotos ou comprar alguma "recordação" de sua passagem, se é que interressa ao passante. Ele vende bandeiras, queijos com a cara do Caudillo (???... para meter a faca, é?), dedais com os símbolos da Falange, soldadinhos de chumbo. Mesmo que atualmente seja "politicamente incorreto", eu parei. Gosto de ver tudo.

A partir do desfiladeiro a paisagem muda completamente. E começam os grandes campos de olivos, famosos pelo bom azeite que produzem. Reconheci um cheiro no ar que invadiu minhas narinas e trouxe da memória lembranças de infância. Era um cheiro igualzinho ao do vinhoto da cana de açúcar nordestina. Pensei em Lorca e seus cantos. Nos poemas que cheiravam à Granada em plena Nova York.

" Mi Pueblo: Quando eu era menino vivia em um povoadozinho silencioso e perfumado da vega de Granada. Tudo o que nele ocorria e todos seus sentires passam hoje por mim velados pela nostalgia da infância e pelo tempo. Eu quero dizer o que sentia de sua vida e de suas lendas. Eu quero expressar o que passou por mim através de outro temperamento. Eu anseio referir as distantes modulações de meu outro coração"

Quisera ser poeta também para escrever o que contam minhas raízes! Elas guardam as memórias gravadas pelos cinco sentidos, por onde quer que eu vá.
Pois sim...antes de entrar em Granada fui ver o pueblo onde nasceu Federico Garcia Lorca, cruzando um caminho sombreado e lindo de chopos.
Mas Fuentevaqueros me pareceu uma cidade fantasma. E era.

Naquela tarde, às quase 5 da tarde, não havia uma alma nas ruas... nem um jovem de bicicleta, nem uma criança, nem um velho sentando solitário em algum banco público. Nada... Apenas o sol causticante sobre as casas de janelas pequenas, cobertas por cortinas estampadas. Havia também cortinas nas portas. Com certeza para que o ar pudesse circular sem trazer as moscas, nem perderem suas intimidades. A gente podia apenas imaginar a vida por trás das cortinas...um costume herdado dos árabes e também muito utilizado nas quentes cidades do interior nordestino.

A Casa Museu é o número 4 da rua García Lorca. E estava fechada. Desta vez, com porta de madeira, sem as cortinas que indicam vida, por mais escondidas que estejam. Era a hora final da siesta espanhola e nem a sorveteria estava aberta.
Suspirei de sede e decepção. Mas não desisti. Finalmente encontrei um pequeno cartaz que dizia: Horários de visita : 5:00h, 6:00h e 7:00h da tarde. Uff! Faltavam apenas três minutos para as cinco!

E, "às 5 en punto de la tarde" (uma referência a um dos seus poemas mais conhecidos) a porta se abriu e um homem apareceu perguntando se queríamos ver o museu. Compramos as entradas e como num passe de mágica, apareceram mais doze pessoas. Onde estavam eu não sei. Soube depois que só atendem 15 de cada vez. Éramos 14... A porta se cerrou à nossas costas e o calor do sol desapareceu.

Como todas as casas da Andaluzia, a Casa de Lorca tem um pátio e um poço. E toda ela rescende a jasmim e frescor. Vi suas pinturas de criança, seu quarto e seu berço, a cozinha e seus utensílios... um piano...Só ali eu soube que ele também tocava piano e compunha belas canções.

A casa é muito simples. Vale pelo sabor de estar dentro da história do grande poeta. Não esperem um museu de verdade... ela não o é.
Na parte de cima, no antigo celeiro de grãos, havia uma pequena exposição, que varia de tempos em tempos. Coube-me a do momento, sobre as cartas e fotos que o poeta trocou com sua grande amiga, Anna Maria Dalí, irmã do pintor surrealista espanhol, Salvador Dalí.
De cara, dei com o quadro que eu adoro e que conheci no Museu Rainha Sofia, em Madrid. Era como encontrar uma velha amiga minha. Inclusive já utilizei-a num dos posts da história para estar aqui.
Chama-se Muchacha en La Ventana.
Que delícia é viver devagar e observar pequenos detalhes que fazem as coisas mais belas!"

Ps. Este post é uma adaptação de antigos arquivos do Cicatrizes da Mirada.
Posted by Nora Borges on setembro 5, 2006 2:06 PM
(Do blogue: Língua de Mariposa)

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