sábado, 27 de abril de 2019

Portugal Visto por Estrangeiros (Século XVIII) - Os Portugueses e as Portuguesas




César de Saussure nasceu em Lausanne, no dia 12 de Junho de 1705, e faleceu, na mesma cidade, em 8 de Março de 1783.
Iniciou aos vinte anos as suas viagens, percorrendo sucessivamente a Alemanha, a Holanda e a Inglaterra.
Embarcado num navio da marinha real inglesa em Outubro de 1729, entrou na barra do Tejo, Lisboa, no primeiro dia de 1730, reinando em Portugal D. João V (ocupou o trono de 1706 a 1750).

Saussure deixaria da sua permanência em Portugal umas curiosíssimas anotações. Algumas resultaram da sua própria observação; outras terão decorrido de ter dado ouvidos ao coro de má língua que em muito contribuiu para a "lenda negra" do nosso país no século XVIII.
Transcrevem-se seguidamente as suas impressões sobre os portugueses - e as portuguesas...


"Os portugueses, de uma maneira geral, são excessivamente vaidosos e vãos, gostando de ostentar magnificência. É frequente encontrarem-se simples artífices vestidos como grandes senhores (…). Mas não só na magnificência e no trajo se manifesta a vaidade dos portugueses; revela-se também no desejo de passarem por sábios, embora, na realidade, sejam ignorantes completos.
Nunca tive notícia de um português que houvesse adquirido reputação pelo seu saber, desde há muito tempo para cá, pelo menos.

Os eclesiásticos, os jurisconsultos, os médicos e muitos outros desejam aparentar de estudiosos. Para dar tal efeito usam todos, seja qual for a idade que tenham, um grande par de lunetas encavalitadas no nariz e que nunca tiram, quer vão a pé, a cavalo ou de coche, quer estejam à mesa ou em simples conversa. Pretendem fazer crer que enfraqueceram a vista a estudar. É esta uma mania divertida, para não dizer ridícula, porque é grande extravagância que um rapaz de vinte anos passeie gravemente pelas ruas, e até algumas vezes a cavalo, armado com um grande par de lunetas no nariz.

Se os portugueses apenas tivessem os vícios de serem impostores e vaidosos seria agradável vê-los e conviver com eles, porque, na sua maioria, possuem espírito, ardor, vivacidade. Mas são também extraordinariamente altivos, orgulhosos e arrogantes. Neste particular, parecem-se com os espanhóis.

Não fica, porém, por aqui; são, para mais, velhacos, traiçoeiros, desonestos. Poucos há que tenham escrúpulo de matar um inimigo à traição. Todos estes defeitos fazem com que os ingleses e os franceses aqui estabelecidos para comércio quase não convivam com os portugueses ou tenham pouco trato com eles, excepto no que se refere a negócios, e mesmo assim com cuidado, para não serem enganados. 


As portuguesas são bastante amáveis, espirituosas e muito vivas. Não são tidas como ariscas, mas poucas ocasiões se lhes oferecem para o provar, porque quer os pais, quer os maridos ou mesmo os irmãos, são invulgarmente zelosos, exercendo sobre elas uma fiscalização aturada. De casa só saem para ir à igreja ou para fazer visitas.
Tive ensejo de ver algumas que me pareceram muito bonitas. No geral, não são alvas como as inglesas, mas, pelo contrário, um pouco morenas.
Têm um ar picante que lhes vai a matar.

Eis como se ataviam: desprezando os toucados, usam habitualmente os cabelos frisados aos lados e enfeitados com flores, travessões e pedrarias. Apartam o cabelo pela nuca em três, quatro ou cinco tranças, conforme lhes dá na fantasia, havendo algumas que as deixam caídas pelas costas e outras que as enrolam em carrapitos ou as metem em coifas de cordão de seda ou de veludo brocado de ouro ou de prata.

Quando em trajes menores usam as mulheres portuguesas uma saia, uma camisola ou um colete muito justo ao corpo, e nas mangas e sobre os ombros um mantelete ou xaile curto de seda, veludo ou tecido rico.
Para a rua usam cobrir-se com uma capa comprida de pano preto, que vai da cabeça aos pés, por forma que apenas fica visível uma parte do rosto.




A rainha, as princesas e as damas da corte usam trajos à moda da corte de França, tão decotados no peito e nas costas que mostram totalmente os ombros e quase todo o colo.
Se as senhoras portuguesas vão a pé à igreja, são sempre acompanhadas por um comprido séquito de escravos, criados e açafatas. Os escravos (em Lisboa há pretos e pretas para ali trazidos de África) vão à frente; seguem-se-lhes as criadas, as açafatas, as meninas da família e, finalmente, a Dona ou Senhora. Vão seguindo umas após outras, muito lentamente, numa fila que chega a atingir a extensão de 10, 15 ou 20 pessoas.

Os portugueses são, em geral, muito devotos; melhor direi classificando-os de muito supersticiosos. O seu zelo religioso revela-se no respeito extraordinário que manifestam pelos eclesiásticos e pelos frades.
Quando encontram frade no seu caminho, em vez de o cumprimentarem - como é costume para com as pessoas de outra condição - beijam respeitosamente a manga direita do sujo e repugnante hábito, a qual o frade logo lhes oferece arrogantemente.

(…) O zelo dos portugueses pelos serviços divinos revela-se na pontualidade com que os frequentam, pela pompa e brilho com que os celebram e pela riqueza com que ornamentam as suas igrejas.
São particularmente devotos da Virgem Santa e dos Santos, e pode até afirmar-se que quase só a eles prestam culto. O do Deus verdadeiro não é aqui muito praticado."

Fonte - O Portugal de D. João V Visto por Três Forasteiros - Presidência do Conselho de Ministros - Secretaria de Estado da Cultura - Biblioteca Nacional - Lisboa - 1989 (Tradução, prefácio e notas de Castelo Branco Chaves)

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Parábola das Tristes Décadas

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(Escrito no ano de 2010 pelo jornalista Baptista-Bastos, 1933-2017)


Há trinta e cinco anos que vocês nos manipulam,
nos dominam, nos mentem, nos omitem, nos desprezam.

Há trinta e cinco anos que nos roubam,
não só os bens imediatos de que carecemos,
como a esperança que alimenta as almas
e favorece os sonhos.

Há trinta e cinco anos que cometem o pior dos pecados,
aquele que consiste na imolação da nossa vida
em favor da vossa gordura.

Há trinta e cinco anos que traem a Deus e aos homens,
sem que a vossa boca se encha da lama da mentira.

Há trinta e cinco anos que criam
legiões e legiões de desempregados,
de desesperados,
de açoitados pelo azorrague da vossa indignidade.

Há trinta e cinco anos que tripudiam
sobre o que de mais sagrado existe em nós.

Há trinta e cinco anos que embalam as dores
de duas gerações de jovens,
e atiram-nos para as drogas, para o álcool,
para uma existência sem rumo, sem direcção e sem sentido.

Há trinta e cinco anos que caminham,
altaneiros e desprezíveis,
pelo lado oposto ao das coisas justas.
.
 
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Há trinta e cinco anos que são desonrados,
torpes, vergonhosos e impróprios.

Há trinta e cinco anos que, nas vossas luras e covis,
se acoitam os mais indecentes dos canalhas.

Há trinta e cinco anos que se alternam no mando,
e o mando é a distribuição de benesses,
prebendas, privilégios
entre vocês.

Há trinta e cinco anos que fazem subir as escarpas
da miséria e da fome
milhões de pessoas que em vocês melancolicamente
continuam a acreditar.

Há trinta e cinco anos que se protegem uns aos outros,
que se não incriminam, que se resguardam,
que se enriquecem,
que não permitem que uns e outros sejam presos
por crimes inomináveis.

Há trinta e cinco anos que vocês são sempre os mesmos,
embora com rostos diferentes.

Há trinta e cinco anos que os mesmos jornais,
sendo outros,
e os mesmos jornalistas de outra configuração,
sendo a mesma,
disfarçam as vossas infâmias,
ocultam as vossas ignomínias,
dissimulam a dimensão imensa dos vossos crimes.

Há trinta e cinco anos
sem vergonha,
sem pudor,
sem escrúpulo
e sem remorso.


.
Há trinta e cinco anos que não estão dispostos
a defender coisa alguma
que concilie o respeito mútuo com a dimensão colectiva.

Há trinta e cinco anos que praticam o desacato moral
contra a grandeza da justiça e a elevação do humano.

Há trinta e cinco anos que, com minúcia e zelo,
construíram um país só para vocês.

Há trinta e cinco anos que moldaram a exclusão social,
que esculpiram as várias faces da miséria e, agora,
sem recato e sem pejo,
um de vocês faz o discurso da indignação.

Há trinta e cinco anos começaram a edificar o medo,
e o medo está em todo o lado:
nas oficinas, nos escritórios,
nos entreolhares, nas frases murmuradas,
na cidade, na rua.
O medo está vigilante.
E está aqui mesmo, ao nosso lado.

Há trinta e cinco anos encenaram e negociaram,
conforme a situação,
o modo de criar novas submissões
e impor o registo das variantes que vos interessavam.

Há trinta e cinco anos engendraram,
sobre as nossas esperanças confusas,
uma outra história natural da pulhice.

Há trinta e cinco anos que traíram os testamentos legados,
que traíram os vossos mortos,
que traíram os vossos mártires.

Há trinta e cinco anos que asfixiam
o pensamento construtivo;
que liquidaram as referências norteadoras;
que escarneceram da nossa pessoal identidade;
que a vossa ascensão não corresponde ao vosso mérito;
que ignoram a conciliação entre semelhança e diferença;
que condenam a norma imperativa do equilíbrio social.

Riam-se, riam-se.
Vocês são uma gente que não presta para nada;
que não vale nada.

Malditos sejam!
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Baptista-Bastos

(Jornal de Negócios - Lisboa - Portugal - 23-Dez-2010)

domingo, 21 de abril de 2019

E ao terceiro dia...


Tema do filme Ben-Hur
"Estrela de Belém":


sexta-feira, 19 de abril de 2019

A Paixão Segundo São João - "Ruht Wohl" ("Repousai em Paz")



A Paixão Segundo São João é um oratório sacro de Johann Sebastian Bach.
A peça foi composta em 1724, na cidade de Leipzig, Alemanha, dias antes da Sexta-Feira Santa (que calhou nesse ano a 14 de Abril).
Consiste numa representação dramática do texto contido no Evangelho de São João.
[A interpretação que pode ouvir abaixo é do Collegium Vocale Gent, com a direcção de Philippe Herreweghe]
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quinta-feira, 11 de abril de 2019

terça-feira, 9 de abril de 2019

JACQUES OFFENBACH - Barcarolle (Da ópera: "Os Contos de Hoffmann")



Jacques Offenbach nasceu em Colónia (Prússia) em 1819.
Faleceu em Paris, no ano de 1880.
(Vídeo de Attika plucked string orchestra)

sábado, 6 de abril de 2019

"Enterrem meu Coração na Curva do Rio" - A Palavra dos Índios


Em 1970, Dee Alexander Brown publicou nos Estados Unidos um livro que logo se transformou num best-seller (57 semanas de permanência na lista).

A obra tinha por título Bury my Heart at Wounded Knee (An Indian History of the American West) e evocava, sob o ponto de vista dos Índios, uma parte da história do território entre 1865 e 1890.

O livro foi posteriormente editado no Brasil (co-edição do Centro do Livro Brasileiro e das Edições Melhoramentos, 1973), com o título Enterrem meu Coração na Curva do Rio - Uma História Índia do Oeste Americano, sendo extraordinariamente bem recebido pelo público e pela crítica.

Dois apontamentos da imprensa do tempo:
Luís Carlos Lisboa (Jornal da Tarde) - Um depoimento comovente sobre a decadência e o fim de um povo cheio de dignidade, de amor pela natureza e de boa fé.
Élio Gaspari (Veja) - Além de oferecer ao leitor minuciosas descrições de tratados hipócritas e massacres desnecessários, inclui a sensação de que, durante muito tempo, muita gente foi enganada de uma maneira tola nos livros e nos cinemas onde Gary Cooper, fulgurante e indómito, salvava a mocinha das mãos de selvagens comanches, sioux, cheyennes ou santees.



Os depoimentos abaixo transcritos pertencem, todos, a esses primeiros americanos, apanhados desprevenidos pela invasão irreprimível. Alguns chegaram a crer na palavra dos tratados que lhes propuseram, como sucedeu, por exemplo, em 1868: Nenhuma pessoa ou pessoas brancas poderão colonizar ou ocupar qualquer porção do território, ou, sem consentimento dos índios, passar pelo mesmo.
Mas eram frases ocas, cheias de perfídia - e eles logo se desiludiram. E assim viram desmoronar-se, com aterradora celeridade, e não obstante a bravura da última resistência, o mundo em que haviam nascido e em que tinham criado uma cultura própria e elaborada.
Amavam a sua terra e por isso a defenderam sempre que lhes foi possível. Quando não foi, submeteram-se. E viram-se condenados, na maior parte dos casos, a destinos miseráveis e sem esperança.

Ficam as suas palavras.


“Fizeram-nos muitas promessas, mais do que me posso lembrar.
Mas eles nunca as cumpriram, excepto uma: prometeram tomar a nossa terra e tomaram-na.”
(Nuvem Vermelha, dos Sioux Oglala)

“Soube que pretendem colocar-nos numa reserva perto das montanhas.
Não quero ficar nela.
Gosto de vaguear pelas pradarias. Nelas sinto-me livre e feliz.
Quando nos fixamos, ficamos pálidos e morremos. Pus de lado a minha lança, o arco e o escudo, mas sinto-me seguro junto deles.
Disse-lhes a verdade. Não tenho pequenas mentiras ocultas em mim, mas não sei como são os comissários. São tão francos como eu?
Há muito tempo, esta terra pertencia aos nossos antepassados. Mas, quando subo o rio, vejo acampamentos de soldados nas suas margens.
Esses soldados cortam a minha madeira, matam o meu búfalo e, quando vejo isso, o meu coração parece partir-se. Fico triste…
Será que o homem branco se tornou uma criança, que mata sem se importar, e não come o que matou? Quando os homens vermelhos matam a caça, é para que possam viver, e não morrer de fome.”
(Satanta, dos Kiowas)





“Quando a pradaria pega fogo, vêem-se os animais cercados pelo incêndio.
Vê-se que eles correm e que tentam esconder-se para não se queimarem.
É dessa maneira que estamos aqui.”
(Najinyanupi, dos Sioux)

“Se não fosse o massacre, haveria muito mais gente aqui neste momento. Mas, depois deste massacre, quem poderia ficar?
Quando fiz a paz com o tenente Whitman, o meu coração estava muito grande e feliz.
A gente de Tucson e de San Xavier deve ser louca. Agiram como se não tivessem cabeças nem corações. Devem ter sede do nosso sangue.
Essa gente de Tucson escreveu para os jornais e contou a sua história.
Os apaches não têm ninguém para contar a sua história.”
(Eskiminzin, dos Apaches Aravaipa)



“Esta guerra não nasceu aqui, na nossa terra. Esta guerra foi trazida até nós pelos filhos do Pai Grande, que vieram tomar a nossa terra sem perguntarem o preço, e que, aqui, fizeram muitas coisas más. O Pai Grande e os seus filhos culpam-nos por estes problemas…
A nossa vontade era viver aqui, na nossa terra, pacificamente, e fazer o possível pelo bem-estar e prosperidade do nosso povo. Mas o Pai Grande encheu-a de soldados que só pensavam na nossa morte.
Alguns do nosso povo que saíram daqui de maneira a poder mudar alguma coisa, e outros que foram para o norte caçar, foram atacados pelos soldados desta direcção e, quando chegaram ao norte, foram atacados pelos soldados do outro lado. E agora, que desejam voltar, os soldados interpõem-se para os impedir de regressar ao lar.
Parece-me que há um caminho melhor do que este. Quando os povos entram em choque, o melhor para ambos os lados é reunirem-se sem armas e conversar sobre isso, e encontrar algum modo pacífico de resolver.”
(Cauda Pintada, dos Sioux Brulés)



“Não queremos homens brancos aqui.
As Black Hills pertencem-nos.
Se os brancos tentarem tomá-las, lutaremos.”

[Tatanka Yotanka (Touro Sentado), dos Sioux]

“Onde estão hoje os pequot? Onde estão os narragansett, os moicanos, os pokanoket e muitas outras tribos outrora poderosas do nosso povo?
Desapareceram diante da avareza e da opressão do homem branco, como a neve diante de um sol de Verão.
Vamos deixar que nos destruam, por nossa vez, sem luta, renunciar às nossas casas, à nossa terra dada pelo Grande Espírito, aos túmulos dos nossos mortos e a tudo o que nos é caro e sagrado?
Sei que vão gritar comigo: Nunca! Nunca!”
(Tecumseh, dos Shawnees)

"O Pai Grande disse aos comissários que todos os índios tinham direitos nas Black Hills, e que qualquer conclusão a que chegassem seria respeitada…
Sou um índio e sou considerado pelos brancos como um homem louco.
Mas isso deve ser porque sigo os conselhos do homem branco.”
[Shunka Witko (Cachorro Louco), dos Sioux]





“Tudo o que pedimos é para podermos viver, viver em paz…
Cedemos à vontade do Pai Grande e fomos para sul.
Achámos que um cheyenne não podia viver ali.
Então, voltámos para casa. É melhor morrer a lutar do que de doença, foi o que achámos…
Podem matar-me aqui, mas não me obrigarão a voltar.
Não iremos.
A única maneira de nos levarem para lá é usando clavas para nos baterem na cabeça.
Então podem arrastar-nos e deixarem-nos por lá - mortos.”
[Tahmelapashme (Faca Embotada) dos Cheyennes do Norte] 




“Eu estava a viver pacificamente com a minha família, tinha muita comida, dormia bem, cuidava do meu povo e estava contente. Ali estávamos bem, eu e o meu povo.
Comportava-me bem. Não matara nenhum cavalo, nenhum homem, americano ou índio.
Não sei qual era o problema com a gente que se encarregara de nós. Sabiam que tudo era assim, mas disseram que eu era um homem mau, o pior homem dali.
Mas o que é que eu tinha feito? Estava a viver pacificamente com a minha família à sombra das árvores, fazia exactamente o que o general Crook me dissera para fazer, procurava seguir o seu conselho.
Agora quero saber quem ordenou que eu fosse preso.
Rezei à luz e à treva, a Deus e ao Sol, para que me deixassem viver tranquilamente com a minha família. Não sei qual é a razão que leva as pessoas a falarem mal de mim. Frequentemente há histórias nos jornais a dizerem que serei enforcado.
Não quero mais isso.
Quando um homem tenta proceder bem, tais histórias não devem ser colocadas nos jornais. Só restaram poucos dos meus homens. Fizeram algumas coisas más, porém agora estão todos mortos e não falemos mais deles.
Sobraram pouquíssimos de nós.”

(Gerónimo, dos Apaches Chiricahuas)





“Meus amigos, estamos neste território há muitos anos.
Nunca fomos ao território do Pai Grande incomodá-lo.
Foi o seu povo que veio ao nosso território incomodar-nos, fazer muitas coisas más e ensinar o nosso povo a ser mau…
Antes de o vosso povo atravessar o oceano para vir até aqui, e desde essa época até agora, nunca propuseram comprar um lugar semelhante a este.
Meus amigos, este território que vieram comprar é o melhor que temos…
Este território é meu, cresci aqui.
Os meus antepassados viveram e morreram nele - e quero permanecer nele.”
[Kangi Wiyaka (Pena de Corvo), dos Sioux]

"As pessoas não vendem a terra em que vivem.”
(Cavalo Louco, dos Sioux)






“O meu povo nunca usou um arco ou disparou uma arma de fogo contra os brancos. Houve problemas na fronteira entre nós, e os meus jovens dançaram a dança da guerra.
Mas não fomos nós que começámos.
Foram vocês que enviaram o primeiro soldado, e nós mandámos o segundo.
Há dois anos atrás vim para esta estrada, seguindo o búfalo, para que as minhas mulheres e os meus filhos pudessem ficar com as faces cheias e os corpos aquecidos.
Mas os soldados dispararam contra nós e, desde então, houve um barulho como o de uma tempestade e ficámos sem saber que caminho tomar.
Também não podemos ficar a chorar sozinhos, sempre.
Os soldados de azul e os utes vieram de noite, quando estava escuro e sossegado, e queimaram as nossas tendas como fogueiras. Em vez de perseguirem a caça, mataram os meus bravos e os guerreiros da tribo cortaram os cabelos pelos mortos.
Foi assim no Texas.
Fizeram a tristeza chegar aos nossos acampamentos e nós investimos como os búfalos quando as suas fêmeas são atacadas.
Quando os encontrámos, matámo-los e os seus escalpes pendem das nossas tendas. Os comanches não são fracos e cegos, como os cachorrinhos de sete sonos de idade. São fortes e perspicazes, como cavalos adultos.
Os brancos choraram e as nossas mulheres riram.”
[Parra-Wa-Samen (Dez Ursos), dos Comanches]

“Embora me tenham feito mal, ainda tenho esperanças. Não fiquei com dois corações… Agora encontramo-nos outra vez para fazer a paz. A minha vergonha é tão grande como a terra, embora eu vá fazer o que os meus amigos aconselham. Antes, eu pensava que era o único homem que insistia em ser amigo dos brancos. Mas, desde que eles vieram e acabaram com as nossas tendas, cavalos e tudo o mais, é difícil para mim acreditar ainda neles.”
[Motavato (Chaleira Preta), dos Cheyennes do Sul]

“Não quero deixar nunca este território.
Todos os meus parentes jazem neste solo e, quando eu me desfizer, quero desfazer-me aqui.”
[Shunkaha Napin (Colar de Lobo), dos Sioux]



“Não quero correr mais pelas montanhas.
Quero fazer um grande tratado.
Manterei a minha palavra até que as pedras derretam…
Deus fez o homem branco e Deus fez o apache, e o apache tem tanto direito ao território como o homem branco.
Quero fazer um tratado que dure, para que ambos possam viajar pelo território e não haja transtornos.”
(Delshay, dos Apaches Tonto)

“De quem foi a voz que primeiro soou nesta terra?
Foi a voz do povo vermelho, que só tinha arcos e flechas…
Eu não quis, nem pedi, o que fizeram à minha terra, os brancos a percorrerem a minha terra.
Sempre que o homem branco vem ao meu território, deixa um trilho de sangue atrás dele…
Tenho duas montanhas neste território - as Black Hills e a Big Horn.
Quero que o Pai Grande não faça estradas através delas.
Disse estas coisas três vezes.
Agora venho dizê-las pela quarta vez.”
(Nuvem Vermelha, dos Sioux Oglala)


“Mas há coisas que vocês me disseram e de que eu não gosto. Não são doces como açúcar, mas amargas como cabaças.
Disseram que desejavam colocar-nos numa reserva, construir-nos casas e fazer-nos tendas para curar.
Não quero nada disso.
Nasci na pradaria, onde o vento sopra livre e não existe nada que interrompa a luz do sol.
Nasci onde não havia cercas, onde tudo respirava livremente.
Quero morrer ali, não dentro de paredes.
Conheço cada corrente e cada bosque entre o Rio Grande e o Arkansas. Cacei e vivi nesse território. Vivi como os meus pais, antes de mim, e, como eles, vivi feliz.
Quando estive em Washington, o Grande Pai Branco disse-me que toda a terra comanche era nossa e que ninguém deveria impedir-nos de morar ali.
Então, porque é que nos pedem para deixar os rios, o sol e o vento, para irmos morar em casas?
Não nos peçam para trocarmos o búfalo pelos carneiros. Os jovens ouviram falar disso e ficaram tristes e furiosos. Não falem mais disso…
Se os texanos se mantivessem fora do meu território, haveria paz. Mas o lugar em que vocês dizem que devemos viver é pequeno de mais.
Os texanos tomaram os lugares onde a erva cresce mais e a madeira é melhor.
Se nós os conservássemos, poderíamos fazer as coisas que nos pedem.
Mas é tarde de mais, os brancos têm o território que amávamos e já só queremos vaguear pela pradaria até morrermos.”
[Parra-Wa-Samen (Dez Ursos), dos Comanches]
 



"Todos os índios devem dançar, por toda a parte.
Dentro em breve, na próxima Primavera, o Grande Espírito virá.
Trará de volta caça de todas as espécies. Haverá muita caça por todo o lado. Todos os índios mortos voltarão e viverão de novo. Serão fortes como jovens, serão jovens outra vez.
O velho índio cego verá novamente e será jovem, terá uma vida boa.
Quando o Grande Espírito vier desta forma, todos os índios irão para as montanhas, bem mais alto do que os brancos.
Os brancos não poderão ferir os índios, então.
Enquanto os índios estiverem no alto, virá uma grande enchente, uma água, e todos os brancos morrerão, afogando-se.
Depois disso, a água retirar-se-á e só haverá índios em toda a parte e caça de toda a espécie.
Então, o feiticeiro dirá aos índios para espalharem por toda a parte que todos devem ficar dançando, e o bom tempo virá.
Os índios que não dançarem, que não acreditarem nesta palavra, crescerão pouco, só uns trinta centímetros de altura, e ficarão assim.
Alguns deles transformar-se-ão em madeira e serão queimados no fogo.”
(Wovoka, o Messias dos Paiutes, fundador da religião da Dança dos Fantasmas)





“Os brancos só contaram um lado. Contaram o que lhes agradava. Contaram muita coisa que não era verdade. O homem branco só contou as suas melhores acções, só as piores dos índios.”
(Lobo Amarelo, dos Nez Percés)