sábado, 31 de julho de 2010

Os Primeiros Tempos dos Portugueses em Angola - Amizade, Batalhas e Religião - A Palavra Mágica dos Padres Jesuítas

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Nota Prévia

Os Portugueses começaram a construir cedo, por volta de 1482, os alicerces daquilo que mais tarde seria a sua grande colónia de Angola, na costa sudoeste da África. Nesse tempo, reinando em Portugal D. João II, os navios de Diogo Cão deram com a embocadura do rio Zaire e as tripulações entraram em contacto com os habitantes do reino do Congo (os Bacongos), que os receberam sem o menor sinal de hostilidade.

Os Portugueses chegaram pouco depois ao reino do Ndongo, um pouco mais a sul, e movimentaram-se em torno da área litoral onde actualmente se localiza Luanda, a capital. Estavam na terra dos Ambundos. Entretanto, o negócio da escravatura viera já manchar o que começara por ser um encontro pacífico e festivo entre povos diferentes.

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No tempo do capitão-mor Paulo Dias de Novais (neto do navegador português Bartolomeu Dias e fundador da cidade de Luanda) passara cerca de um século sobre a viagem pioneira de Diogo Cão. Os Portugueses deparavam, agora, com a resistência militar do senhor do Ndongo, Ngola Kiluanje.

Nas guerras que se seguiram, contavam com vários trunfos: exércitos treinados, bem armados, e uma ambição insaciável pelos filões de prata que supunham enterrados nas encostas de Cambambe.

E tinham ainda do seu lado aquilo que constituiu, porventura, a mais poderosa ponta-de-lança do seu avanço para o interior do território nesta fase inicial da colonização - contingentes destemidos e determinados de padres jesuítas.
Estamos no ano de 1585…


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“(...) A meio do ano de 1585 o rei Ngola Kiluanje acedeu ao pedido de um súbdito audacioso, Ndala Kitunga, que se lhe ofereceu para conduzir um exército do Ndongo contra as forças do português Novais.

Kitunga era um ambundo cristia­ni­zado que, por razões ignoradas, resolvera desligar-se dos protectores euro­peus. Kiluanje colocou à sua disposição um efectivo numeroso e, além do ar­mamento tradicional, forneceu-lhe pólvora e armas de fogo. Depois lançou-o no encalço do inimigo.

Movendo-se para ocidente, Kitunga esbarrou com o exército português na região da Ilamba, acima do Cuanza. Os Lusitanos, comandados pelo capitão André Ferreira Pereira, contavam perto de centena e meia de sol­dados europeus e dez mil frecheiros negros, arregimentados entre os povos recentemente vencidos.

O combate deu-se a 25 de Agosto, com os contendores envolvidos por espes­sos lençóis de nevoeiro. Em situação de inferioridade numérica, os Portugueses fizeram uso de todos os trunfos. Através da cerração, fustigaram os esquadrões inimigos com disparos de artilharia, arremessaram-lhes cargas de cavalaria avas­saladoras e puseram em campo a violência brutal dos seus veteranos.

Mas guar­davam na manga uma surpresa especial.

Os Ambundos viram de repente brotar da brancura opaca do nevoeiro alguns vultos de pêlo eriçado e fauces espumantes de raiva: eram matilhas de cães bravos, presumivelmente trazidas pelos invasores das ásperas serranias portuguesas para terror dos adversários africanos.


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Embora se entregassem à luta com in­dómita coragem - três vezes se viram desba­ratados, outras tantas tornaram à refrega -, os homens de Ngola Kiluanje sofreram um desaire esmagador.

A mor­tandade atingiu tais proporções que os Portugueses temeram que os seus rela­tos fossem colocados em dúvida no bastião de Luanda. Trataram por isso de recolher uma cruenta prova do seu triunfo: foi assim que ex­pediram para a reta­guarda uma infinidade de vasilhas repletas de narizes dos inimigos tombados em combate.

Segundo os cronistas lusos, desaparecera na bata­lha a fina flor da fidalguia angolana, tendo sucumbido vários parentes e homens de confiança de Ngola Kiluanje.

Quanto ao temerário Ndala Kitunga, pagou cara a ousadia. Caído nas mãos dos Portugueses, foi escrupulosamente confessado e en­comendado a Deus por um religioso, após o que o confiaram ao carrasco a fim de ser deca­pitado e lançado às chamas de uma fogueira para exemplo de quem fica­va.


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Uma vez inauguradas as hostilidades, jamais deixaram os conquistadores de contar com um apoio muito peculiar - o dos padres jesuítas.
Com efeito, es­tes ho­mens perseverantes mantiveram-se sempre por perto de Novais e das suas tropas, tra­tando sem desfalecimentos do seu negócio da cristandade.

Às vezes não hesitavam em embrenhar-se nos perigosos trilhos da guerra, como na altura em que o recrudescimento da resistência ambunda fez afluir a Luanda muitos dos portugueses dispersos pelo mato.

Prevenindo o desastre, o padre Baltasar Barreira desceu apaixonada­mente à liça, exortando os timoratos a pegarem em armas e a cerrarem fileiras ao lado dos seus irmãos cer­cados em Macunde pelos Ambundos.
Mas o padre não se limitou aos sermões.
Metendo-se pelas margens do Cuanza acima, arrastou consigo uma legião de homens galvanizados, armados até aos dentes e providos de abun­dantes mantimentos, levando até aos sitiados um miraculoso balão de oxigénio.
Acolhido com júbilo no reduto ao som de flautas e charamelas, Barreira propiciou com a sua iniciativa uma bem sucedida ofensiva portuguesa.

Anos mais tarde, seria um seu correligionário, o padre Afonso, quem transportaria até ao próprio Paulo de Novais, refugiado na fortaleza de Massangano, um decisivo auxílio de última hora.

O capitão-mor soube mostrar-se reconhecido para com estes preci­osos aliados, tornando-os beneficiários de uma copiosa série de doações em terras e rendimentos. E, também, em filões de prata - reais ou imaginários.

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Dissipada a feroz exaltação das batalhas, e em caso de êxito, os Portugueses revelavam-se geralmente tolerantes para com os vencidos. Isto, como é evidente, desde que estes aceitassem de boa mente a sua lei.

Os jesuí­tas desempenharam um papel crucial no delicado processo de aproximação. Marchavam, imperturbáveis, na peugada dos destacamentos em operações, e penetravam, de crucifixos em pu­nho, nos povoados submetidos. Compareciam logo depois da passagem dos veteranos de Novais, das matilhas enraivecidas, dos cascos esmagadores da cavalaria, do susto dos arcabu­zes e das peças de artilharia.

Com a visita dos padres, os Ambundos adquiriam consciência da outra face do invasor. Recebiam com um misto de reverência e curiosidade su­persticiosa esses homens estranhos, que lhes ofereciam o bálsamo das suas palavras aliciantes, compassivas e corda­tas.

Porém, como não tardaram a compreender, a brandura dos religiosos podia desvanecer-se num abrir e fechar de olhos. Bastava que eles pressentissem nas al­deias a presença de feiticei­ros, muito considerados e temidos pelos Ambundos. Nessas ocasiões, possuí­dos de incontrolável excitação, os padres afadigavam-se em devassas minuci­osas, na pista dos ídolos, amuletos e demais utensílios das práticas de magia.

Quando descobertos, tais apetrechos acabavam nas chamas de piras gigantes­cas.
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Os jesuítas achavam-se piamente convencidos de que os feiti­ceiros, esses seres reservados e imperscrutáveis, com olhos de verruma, mantinham tenebrosas alianças com o demónio - o Pai das Maldades, como eles diziam. Relatavam achados ar­repian­tes. 

Um dia tinham dado com uma idosa e encarquilhada criatura apregoa­da­mente capaz de comandar a chuva e a doença com os seus expedientes mági­cos. Embora se tratasse na realidade de um homem, maléficos desígnios ha­viam-no condenado a viver como mulher. Apertado por aqueles tenazes evange­lizadores, o mago cedeu e mudou de condição, acabando rendido às excelên­cias da virilidade.

De outra vez, os jesuítas desvendaram o enigma de uma velha cabra, utilizada pelo seu proprietário, o ladino Manicafanze, em abominá­veis exercícios de bruxaria. A instâncias dos padres, e após inúmeras prédicas e missas de desagravo, o bicho findou sem glória os seus dias satânicos, de­vorado pelo povo num festivo banque­te.


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As artes de sedução dos jesuítas mostravam-se muitas vezes irresistíveis, mesmo quando exibidas diante de homens poderosos que se haviam batido com valentia contra os invasores. Isso ficou demonstrado de modo exemplar no caso do nosso conhecido soba de Songa.

Derrotado pelos Portugueses, este chefe da Quissama tornou-se alvo das desveladas atenções dos padres. O se­nhor de Songa, tal como sucedera nos tempos antigos com inúmeros fidalgos do Congo, deixou-se arrebatar pela oratória transbordante de promessas daqueles sábios interlocutores. Eles pare­ciam deveras empenhados em franquear-lhe a entrada no mundo fascinante e in­tangível de que guardavam o segredo.

Para Songa, como para grande parte dos seus conterrâneos, importava sobretudo ascender a esse espaço rico de influências mágicas e de espíritos invencíveis. Ele pressentia a parcialidade dos entes sobre­naturais dos brancos, sempre inclinados a socorrerem as hostes que chegavam do mar para assolarem as mar­gens do Cuanza. Mal o sentiram vacilar à beira da con­versão, os jesuítas aprontaram-lhe, de combinação com as autoridades militares, uma pomposa festa de baptismo.

Songa foi conduzido com um séquito imponente até Macunde, onde o capitão-mor Novais, que ele escolhera para padrinho, o re­cebeu com afabilidade, rodeado de muitos dos comandantes da conquista.

O corte­jo, abrilhantado por músicos portugueses, desfilou com majestade até um templo improvisado, revestido de sedas verdes e coberto de ramos de palmei­ra. Para admiração e regozijo dos seus, Songa apresentou-se sumptuosamente enfarpelado à europeia. Trajava roupeta de cetim cinzento, capa de racha, gorra de seda e botas cor-de-laranja.

Num gesto de cortesia, o chefe africano selecci­onou para seu nome de baptismo o de Paulo de Novais. Este proferiu um dis­curso emocionado, congra­tulando-se com a conversão. Honrou depois o senhor de Songa com o título de capitão-mor do povo da região e com o privilégio de lhe ser permitido sentar-se em alcatifa diante de qualquer autoridade portuguesa.

O soba sentiu-se feliz e recompensado. Nos dias imediatos os padres não tive­ram mãos a medir com a multidão de ambundos que, tocados pelo gesto do seu senhor, acorriam a fazer-se igualmente cristãos.


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Com os progressos da conquista e as consequentes cerimónias religiosas, co­meçaram a acumular-se as aparições nos céus do Ndongo. Esses sinais ex­traordi­nários obtinham a sisuda confirmação de um sem-número de brancos e negros.

Falava-se de cruzes deslumbrantes a emergirem de entre os novelos algodoados das nuvens. Provocava especial assombro a visão de uma mulher de semblante grave, amparada por um ancião de barbas esvoaçantes e alvas. Particularidade perturbadora: o velho comparecia armado de uma fulgurante espada de fogo.

Os ambundos convertidos exultavam. Para seu deleite, no tempo das aparições ocor­riam também chuvadas providenciais, autênticas bên­çãos para as sementeiras. Tanto mais que as terras dos idólatras, ainda arre­dios às palavras macias dos ve­nerandos sacerdotes, jaziam ressequidas, gre­tadas e estéreis.

Apesar destes sucessos, Paulo Dias de Novais acabaria por sucumbir, enclau­surado em Massangano, sob a inclemência do clima e a erosão dos gol­pes da re­sistência ambunda. Sobrecarregado de dívidas, gasto pelas desilu­sões, precoce­mente envelhecido, findou os seus dias neste mundo a 9 de Maio de 1589. Vira desaparecer, engolidos pelo turbilhão dos combates, muitos dos seus companhei­ros de armas, sem que se materializassem os sonhos da prata ou de uma apoteótica entrada em Kabassa.

A crua realidade é que Novais se mostrara incapaz de cumprir uma parcela substancial das obrigações impostas pelo malogrado rei D. Sebastião. Isto conduziu a uma relevante transformação política. De facto, com o desaparecimento do capitão-mor, a carta de doação tornou-se letra morta e a Coroa espanhola (que entretanto se apoderara de Portugal) decidiu enveredar por uma dife­rente alternativa de co­lonização, assumindo directamente a responsabilidade da orientação e do financi­amento da empresa.

Em meados de 1592 chegou a Luanda o primeiro governador designado na época da ocupação espanhola de Portugal. Tratava-se de Francisco de Almeida. Inaugurou uma extensa lista de quase duas centenas de homens que, durante perto de quatro séculos, conduziriam os destinos da colónia com sorte, empe­nho e ta­lento muito diferenciados.

Neste ocaso do século XVI a situação dos Portugueses no território, não sendo brilhante, permitia-lhes a concretização dos objectivos mais imediatos. Detinham uma sólida retaguarda no litoral e guarneciam alguns postos avançados nas terras contíguas ao Cuanza.

Era o bastante para que o siste­ma funcionasse: a mão-de-obra escrava continuava a deslizar dos sertões para os navios ancorados junto à costa.
O Ndongo conservava, entretanto, a sua independência (...)". (*)
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(*) - José Bento Duarte - Senhores do Sol e do Vento - Histórias Verídicas de Portugueses, Angolanos e Outros Africanos (pág. 45-48) - Editorial Estampa - Lisboa - Portugal - 1999.


Sobre este livro, ver mais pormenores - aqui



quinta-feira, 29 de julho de 2010

Pintores da Península Ibérica (Antonio Abellán - Espanha) (3)

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O Camarote
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Escada de Vizinhos
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Os Três Amigos
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Tango
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Fumadores
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A Sobremesa
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A Pitonisa
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Jogadores de Dominó
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Leques no Camarote





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Músicos de Jazz
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As Três Idades

terça-feira, 27 de julho de 2010

Navios Antigos - 1

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sábado, 24 de julho de 2010

Aberturas de Grandes Livros - "Eurico, o Presbítero" (Alexandre Herculano - Portugal)

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Reino dos Visigodos, na Península Ibérica (Anos de 507 a 711)
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"A raça dos visigodos, conquistadora das Espanhas, subjugara toda a Península havia mais de um século. Nenhuma das tribos ger­mânicas que, dividindo entre si as províncias do império dos césares, tinham tentado vestir sua bárbara nudez com os trajos despedaçados, mas esplêndidos, da civilização romana soubera como os godos ajun­tar esses fragmentos de púrpura e ouro, para se compor a exemplo de povo civilizado.

Leovigildo expulsara da Espanha quase que os derradeiros soldados dos imperadores gregos, reprimira a audácia dos francos, que em suas correrias assolavam as províncias visigó­ticas d'além dos Pirinéus, acabara com a espécie de monarquia que os suevos tinham instituído na Galécia e expirara em Toledo depois de ter estabelecido leis políticas e civis e a paz e ordem públicas nos seus vastos domínios, que se estendiam de mar a mar e, ainda, transpondo as montanhas da Vascônia, abrangiam grande porção da antiga Gália narbonense.

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Desde essa época, a distinção das duas raças, a conquistadora, ou goda, e a romana, ou conquistada, quase desaparecera, e os homens do norte haviam‑se confundido juridicamente com os do meio‑dia em uma só nação, para cuja grandeza contribuíra aquela com as virtudes ásperas da Germânia, esta com as tradições da cultura e política romanas.

As leis dos césares, pelas quais se regiam os vencidos, misturaram‑se com as singelas e rudes instituições visigóticas, e já um código único, escrito na língua latina, regulava os direitos e deveres comuns quando o arianismo, que os godos tinham abraçado abraçando o evangelho, se declarou vencido pelo catolicismo, a que pertencia a raça romana. Esta conversão dos vencedores à crença dos subjugados foi o complemento da fusão social dos dois povos.


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A civilização, porém, que suavizou a rudeza dos bárbaros era uma civi­lização velha e corrupta. Por alguns bens que produziu para aqueles homens primitivos, trouxe‑lhes o pior dos males, a perversão moral. A monarquia visigótica procurou imitar o luxo do império que mor­rera e que ela substituíra. Toledo quis ser a imagem de Roma ou de Constantinopla. Esta causa principal, ajudada por muitas outras, nascidas em grande parte da mesma origem, gerou a dissolução política por via da dissolução moral.

Debalde muitos homens de génio, revestidos da autoridade su­prema, tentaram evitar a ruína que viam no futuro: debalde o clero espanhol, incomparavelmente o mais alumiado da Europa naquelas eras tenebrosas e cuja influência nos negócios públicos era maior que a de todas as outras classes juntas, procurou nas severas leis dos concílios, que eram ao mesmo tempo verdadeiros parlamentos políticos, reter a nação que se despenhava. A podridão tinha chegado ao âmago da árvore, e ela devia secar.
O próprio clero se corrompeu por fim. O vício e a degeneração corriam soltamente, rota a última barreira.
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Foi então que o célebre Roderico se apossou da coroa.
Os filhos do seu predecessor Vítiza, os mancebos Sisebuto e Ebas, disputaram­‑lha largo tempo; mas, segundo parece dos escassos monumentos históricos dessa escura época, cederam por fim, não à usurpação, porque o trono gótico não era legalmente hereditário, mas à fortuna e ousadia do ambicioso soldado, que os deixou viver em paz na própria corte e os revestiu de dignidades militares.

Daí, se dermos crédito a antigos historiadores, lhe veio a última ruína na batalha do rio Críssus, ou Guadalete, em que o império gótico foi aniquilado.
No meio, porém, da decadência dos godos, algumas almas conser­vavam ainda a têmpera robusta dos antigos homens da Germânia. Da civilização romana elas não haviam aceitado senão a cultura intelectual e as sublimes teorias morais do cristianismo.

As virtudes civis e, sobretudo, o amor da pátria tinham nascido para os godos logo que, assentando o seu domínio nas Espanhas, possuíram de pais a filhos o campo agricultado, o lar doméstico, o templo da oração e o cemitério do repouso e da saudade.



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Nestes corações, onde reinavam afectos ao mesmo tempo ardentes e profundos, porque neles a índole meridional se misturava com o carácter tenaz dos povos do norte, a moral evangélica revestia esses afectos de uma poesia divina, e a civilização ornava‑os de uma expressão suave, que lhes realçava a poesia.

Mas no fim do século sétimo eram já bem raros aqueles em quem as tradições da cultura romana não havia subjugado os instin­tos generosos da barbaria germânica e a quem o cristianismo fazia ainda escutar o seu verbo íntimo, esquecido no meio do luxo profano do clero e da pompa insensata do culto exterior.
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Uma longa paz com as outras nações tinha convertido a antiga energia dos godos em alimento das dissensões intestinas, e a guerra civil, gastando essa energia, havia posto em lugar dela o hábito das traições covardes, das vinganças mesquinhas, dos enredos infames e das abjecções am­biciosas.

O povo, esmagado debaixo do peso dos tributos, dilacerado pelas lutas dos bandos civis, prostituído às paixões dos poderosos, esquecera completamente as virtudes guerreiras de seus avós.
As leis de Vamba e as expressões de Ervígio no duodécimo concílio de Toledo revelam quão fundo ia nesta parte o cancro da degeneração moral das Espanhas.


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No meio de tantos e tão cruéis vexames e pade­cimentos, o mais custoso e aborrecido de todos eles para os afemina­dos descendentes dos soldados de Teodorico, de Torismundo, de Teudes e de Leovigildo era o vestir as armas em defensão daquela mesma pátria que os heróis visigodos tinham conquistado para a legarem a seus filhos, e a maioria do povo preferia a infâmia que a lei impunha aos que recusavam defender a terra natal aos riscos gloriosos dos combates e à vida fadigosa da guerra.
Tal era, em resumo, o estado político e moral da Espanha na época em que aconteceram os sucessos que vamos narrar (...).
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(….) O presbitério, situado no meio da povoação, era um edifício humilde, como todos os que ainda subsistem levantados pelos godos sobre o solo da Espanha.


Cantos enormes sem cimento alteiam‑lhe os muros; cobre‑lhe o âmbito um tecto achatado, tecido de grossas traves de carvalho subpostas ao ténue colmo: o seu portal profundo e estreito pressagia de certo modo a misteriosa portada da catedral da Idade Média: as suas janelas, por onde a claridade, passando para o interior, se transforma em tristonho crepúsculo, são como um tipo indeciso e rude das frestas que, depois, alumiaram os templos edificados no décimo quarto século, através das quais, coada por vidros de mil cores, a luz ia bater melancólica nos alvos panos dos muros gigantes e estampar neles as sombras das colunas e arcos enredados das naves.

(...) O presbítero Eurico era o pastor da pobre paróquia de Cartéia.
Descendente de uma antiga família bárbara, gardingo na corte de Vítiza, depois de ter sido tiufado ou milenário do exército visigótico, vivera os ligeiros dias da mocidade no meio dos deleites da opulenta Toledo.

Rico, poderoso, gentil, o amor viera, apesar disso, quebrar a cadeia brilhante da sua felicidade.
Namorado de Hermengarda, filha de Favila, duque de Cantábria, e irmã do valoroso e depois tão célebre Pelágio, o seu amor fora infeliz (...)".
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Eurico, o Presbítero (Os Visigodos) - Alexandre Herculano - Portugal (1810-1877)
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quinta-feira, 22 de julho de 2010

A Nova Face da Direita Política em Portugal - "Vai Tudo Raso!"

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O projecto de revisão constitucional do PSD não deixa pedra sobre pedra do regime democrático nascido a 25 de Abril.
Em sete revisões, a Constituição já levara fortes machadadas dadas pelas maiorias qualificadas para o efeito.
O PSD quer acabar com o resto.

E não se diga que se trata de limar a Constituição dos resquícios ideológicos de pendor revolucionário.
Ao propor a abolição da justa causa para os despedimentos, o PSD revela o carácter da sua mais recente face, não apenas neoliberal, no sentido europeu ou norte-americano, mas inspirada nas economias asiáticas de ditadura do capital financeiro e de mão-de-obra descartável.

Ao propor a abolição do carácter tendencialmente gratuito da prestação dos cuidados de saúde, o projecto do PSD situa-se na América pré-Obama, da ditadura das companhias de seguros com absoluto menosprezo do direito humano à saúde.

E ao propor a substituição de um governo sem recurso à realização de eleições, o PSD revela a costeleta peruana, com governos cozinhados no churrasco da democracia.

Ou seja: o projecto de revisão da Constituição que o PSD vai apresentar não tem nada original, é tudo mais ou menos plasmado do que de mais tenebroso, explorador e totalitário há no mundo actual.

É um projecto raivoso, revanchista, de ajuste de contas contra o carácter de uma democracia nascida da liquidação de uma ditadura de 48 anos.

A revisão da Constituição da República Portuguesa far-se-á e será ou não aprovada em função de trocas e baldrocas de bastidores entre o proponente PSD e os colaborantes do costume, PS e CDS.

Antes de propor a revisão da Constituição da República, este PSD deveria rever a sua própria constituição, porque a designação social-democrata é neste particular um caso de publicidade enganosa. (*)

(*) - João Paulo Guerra - Vai Tudo Raso - Diário Económico (Lisboa - Portugal- 21 de Julho de 2010

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Destruição (Carlos Drummond de Andrade - Brasil)

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Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto
não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são?
Dois inimigos.

Amantes
são meninos estragados
pelo mimo de amar:
e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo
volve a nada.

Nada.
Ninguém.
Amor, puro fantasma
que os passeia de leve,
assim a cobra se imprime
na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
Deixaram de existir,
mas o existido
continua a doer
eternamente.

domingo, 18 de julho de 2010

Memórias Egípcias - 1

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Abu-Simbel (a)
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Abu-Simbel (b)
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Abu-Simbel (c)
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À Beira do Nilo
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Templo da Ilha de Philae (a)
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Templo de Ísis (Philae) (b)
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Templo de Ísis (Philae) (c)
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Templo de Gyrshe
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Templo de Dendera (a)
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Templo de Dendera (b)
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Templo de Dendera (c)






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Templo de Dendera (d)
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Ventos do Deserto
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Artista --- David Roberts - Escócia (1796-1864)
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