quarta-feira, 30 de junho de 2021

"Arte da Caça de Altanaria" - (Por Diogo Fernandes Ferreira - séc. XVII) - 2.ª Parte

(Continuação - daqui)



São os Açores no talhe e feição muito semelhantes aos Gaviões, ainda que maiores de corpo, em cuja grandeza excedem a todas aquelas aves que de rapina se sustentam (deixando à parte a Águia, que esta a todas se avantaja na grandeza).

De suas propriedades tratarei adiante.



Criam os Açores seus filhos em muitas partes do universo, em serras e lugares montosos, cheios de grandes bosques e arvoredos.
Nestes fazem seus ninhos; criam uma vez no ano.

Em Maio começam a fabricar seu ninho; põem de três até cinco ovos; os primas (fêmeas) estão sempre sobre eles, os treçós (machos) em todo o tempo que a fêmea está chocando lhe trazem de comer perdizes, pombas, e às vezes láparos e rolas.




 
Quando lhes trazem a caça que tomam, pousam em certa árvore, que para isso tem perto, e chama a prima (fêmea) com piados, a qual se levanta e vem voando; em chegando perto larga o treçó (macho) o que lhe traz para comer; ela antes que chegue a terra o toma.

O treçó (macho) em largando a caça se vai voando tão apressadamente que parece temer a prima (fêmea), a qual, em comendo, se torna aos ovos, e neles está mais tempo a tirar os filhos que as galinhas.



Tirados (os filhos) se deixa estar alguns dias até eles estarem enxutos da humidade do ovo e cobertos de penugem.

Se a mãe sente que a quentura do sol enfada aos filhos, enrama o ninho e os ampara com as asas estendidas.

Tem cuidado de lhes dar de comer a miúdo.



Neste nosso tempo vieram a acabar os Açores nestas partes, (pois) que chegou a ser tão excessivo o preço que por cada um em pequeno se dava, que os homens cobiçosos que os tomavam, em achando o ninho o guardavam, para que outros lho não furtassem.

(Certa) vez aconteceu que uns (homens) escondidos esperaram que aqueles que os guardavam fossem buscar de comer e entretanto lho furtaram.




E vieram a tomar aos pobres pássaros os ovos, e os deitaram a outras aves.

A mim me contou um destes (homens), que mos costumava vender, que subindo a uma árvore a tomar os ovos de um Açor, o prima (fêmea) e o treçó (macho) se levantaram e se meteram mui alto no céu, e julgou que daquela vez passavam a África, e nunca mais criaram naquela serra vermelha, onde isto aconteceu.

Pode muito bem ser.



Em muitas partes de Espanha se tomam Açores em pequenos, como em Navarra, e na terra dos Gélves, nas Astúrias, e em Galiza; e de quaisquer partes que à mão vierem Açores em pequenos os criaram como fica dito no capítulo que trata da criação dos Gaviões, e os cure com a mesma arte, notando que, sendo os Açores já de quatro betas (listas de cor nas penas) lhes deitarão rolas e pombinhos de mão, a cada Açor conforme a idade que tiver e se desenvolver voando (…) (*)

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(*) - Arte da Caça de Altanaria (por Diogo Fernandes Ferreira)

A obra foi publicada no ano de 1616, ao tempo do domínio espanhol de Portugal (1580-1640).

Teve reedição em 1899, na Biblioteca de Clássicos Portugueses, cujo Director Literário foi Luciano Cordeiro.

Esta edição ficou a dever-se a: Escriptorio - Rua dos Retrozeiros, 147 - Lisboa - Portugal.

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