quarta-feira, 29 de abril de 2009

Álbuns do Cavaleiro Andante - "Bessy"














































Publicado por Empresa Nacional de Publicidade - Lisboa - Portugal -1956, 1957, 1958 e 1959.
Preço: 2$50 (dois escudos e cinquenta centavos). Mais ou menos 1,25 cêntimos do actual euro.

terça-feira, 28 de abril de 2009

domingo, 26 de abril de 2009

Os Primeiros Americanos (2)

"Onde estão hoje os pequot? Onde estão os narragansett, os moicanos, os pokanoket e muitas outras tribos outrora poderosas do nosso povo?"

"Meus amigos, estamos neste território há muitos anos. Nunca fomos ao território do Pai Grande incomodá-lo. Foi o seu povo que veio ao nosso território incomodar-nos, fazer muitas coisas más e ensinar o nosso povo a ser mau..."

"Há dois anos atrás vim para esta estrada, seguindo o búfalo, para que as minhas mulheres e os meus filhos pudessem ficar com as faces cheias e os corpos aquecidos."

"Mas os soldados dispararam contra nós e, desde então, houve um barulho como o de uma tempestade e ficámos sem saber que caminho tomar."

"Mas há coisas que vocês me disseram e de que eu não gosto. Não são doces como açúcar, mas amargas como cabaças."

"Disseram que desejavam colocar-nos numa reserva, construir-nos casas e fazer-nos tendas para curar. Não quero nada disso."

"A nossa vontade era viver aqui, na nossa terra, pacificamente, e fazer o possível pelo bem-estar e prosperidade do nosso povo. Mas o Pai Grande encheu-a de soldados que só pensavam na nossa morte."

"Esta guerra não nasceu aqui, na nossa terra. Esta guerra foi trazida até nós pelos filhos do Pai Grande, que vieram tomar a nossa terra sem perguntarem o preço, e que, aqui, fizeram muitas coisas más. O Pai Grande e os seus filhos culpam-nos por estes problemas..."


"Será que o homem branco se tornou uma criança, que mata sem se importar, e não come o que matou? Quando os homens vermelhos matam a caça, é para que possam viver, e não morrer de fome."

"Os apaches não têm ninguém para contar a sua história."

"O meu povo nunca usou um arco ou disparou uma arma de fogo contra os brancos. Houve problemas na fronteira entre nós, e os meus jovens dançaram a dança da guerra. Mas não fomos nós que começámos."

"Mas, desde que eles vieram e acabaram com as nossas tendas, cavalos e tudo o mais, é difícil para mim acreditar ainda neles".

"Esses soldados cortam a minha madeira, matam o meu búfalo e, quando vejo isso, o meu coração parece partir-se. Fico triste..."


"Gosto de vaguear pelas pradarias. Nelas sinto-me livre e feliz".

Recorde aqui um tema musical famoso:


(Fotos de Curtis, obtidas nos inícios do século XX).
(Citações do livro "Enterrem meu Coração na Curva do Rio", de Dee Alexander Brown - Centro do Livro Brasileiro - Edições Melhoramentos - Brasil - 1973).

quinta-feira, 23 de abril de 2009

sábado, 18 de abril de 2009

Crise, Tempo de Grandes Decisões (Manuel Alegre)


1. O capitalismo globalizado esvaziou o papel dos mecanismos reguladores da tensão entre o mercado e o Estado.
O cerco neo-conservador impôs o pensamento único por toda a parte: diminuição do papel do Estado, esvaziamento dos serviços públicos, precariedade, guerra aos sindicatos.
Na Europa, o desequilíbrio entre uma política monetária restritiva e políticas sociais vagas impediu a emergência de alternativas.
Em Portugal, devido às fragilidades estruturais, o Estado tornou-se cada vez mais refém de interesses privados ilegítimos.

Agora até os defensores do Estado mínimo, ideologicamente derrotados, pedem uma maior intervenção do Estado.
Mas para quê?
Suspeita-se que para socializar as perdas e privatizar os ganhos.
É um caminho ética e politicamente inaceitável.

Quando cresce o número dos desempregados e desfavorecidos, não é possível um país pobre injectar milhares de milhões na banca.
Sobretudo quando é preciso dinheiro para garantir a sustentabilidade das políticas públicas na educação, na saúde, na segurança social, na justiça.

2. O agravamento da crise vem pôr em causa os objectivos que até aqui tinham norteado a política do governo.
O défice orçamental vai de novo ultrapassar o limite dos 3%.
A dívida pública vai atingir valores nunca antes atingidos.
O desemprego, as desigualdades, a pobreza a injustiça social vão agravar-se.

3. Precisamos de ter a coragem de mudar.

Coragem para mudar a sociedade e a vida.

Coragem para se saber de que lado se está do ponto de vista das lutas sociais.

Coragem para dialogar onde até agora se monologava.

Coragem para corrigir políticas e comportamentos que contradizem o que foi prometido.

Coragem para procurar soluções políticas novas, sob pena de as mesmas causas continuarem a produzir os mesmos efeitos.

4. A reorientação política da acção governativa tem de se tornar visível em áreas decisivas para a qualidade de vida das pessoas e para a qualidade da própria democracia.
Somos na União Europeia o país com maior desigualdade na distribuição da riqueza.
Quando 52% das famílias pobres em Portugal têm como rendimentos principais os rendimentos do trabalho e cerca de 40% trabalham por conta de outrem, a “culpa” não é dos pobres.
A persistência da pobreza nestas condições não é apenas uma questão social, é estrutural e é de modelo económico. (...)

(...) 6. Há que tirar partido dos nossos pontos fortes - a língua, a cultura e a história - em virtude dos quais a capacidade de influência de Portugal vai muito para além do seu peso demográfico e económico.
Não é aceitável que em 2009, quando o Orçamento de Estado consagra, através do PIDDAC, mais de 4 mil milhões de euros aos investimentos da Administração Central, a promoção e defesa da língua portuguesa no mundo receba apenas um milhão de euros. (...)

(...) 8. O “pensamento único” conduziu ao endeusamento do mercado e à diabolização do Estado, mesmo quando os níveis de satisfação desceram, o desemprego aumentou e os custos dispararam.
À sombra das parcerias público-privadas floresceram grandes negócios privados e desvirtuaram-se regras de transparência obrigatórias no serviço público.
Casos de promiscuidade impune entre negócios privados e cargos políticos contribuem para agravar a descrença.
A submissão dos serviços públicos às regras da concorrência priva o Estado de intervir em áreas essenciais para a satisfação das necessidades básicas dos cidadãos e distorce a avaliação dos serviços prestados.

Os serviços públicos não podem ser tratados como se fossem uma qualquer mercadoria.
A perda de milhares de empregos no sector público não é condição de progresso.
E o encerramento de serviços públicos no interior do país contribui, às vezes de forma dramática, para a desertificação do território.

9. A defesa da transparência e dos serviços públicos passa pelas seguintes mudanças:

O artigo 86.º do Tratado Europeu, segundo o qual as empresas que prestam serviços de interesse económico geral estão sujeitas às regras da concorrência, deve ser contestado.

O Estado não deve continuar a entregar sistematicamente ao privado sectores económicos rentáveis, nomeadamente na área da energia.

É preciso reforçar os poderes reguladores e interventores do Estado e garantir que eles são exercidos com independência e em prol do interesse público.

O direito à água é hoje reconhecido como um direito humano; a exploração dos recursos hídricos nacionais tem que incorporar esse direito.

A escola pública, o serviço nacional de saúde e a segurança social pública são garantia de direitos fundamentais dos cidadãos e como tal devem ser defendidos e reforçados na prática.

Há que definir políticas públicas para as cidades e zonas urbanas, que incluam o transporte, a habitação, o património, a cultura, o ambiente, o espaço público e a participação cívica.

A especulação imobiliária em Portugal permite a acumulação de mais-valias milionárias a partir de decisões administrativas das autarquias ou da administração pública.
Há que impor regras novas, limitando a privatização de mais-valias urbanísticas, à semelhança do que ocorre na generalidade dos países da OCDE.

O combate à corrupção e à promiscuidade entre partidos políticos, autarquias, Estado e mundo empresarial é um dos pilares da reforma da política.
Exige regras legais claras, meios de fiscalização eficazes e efectiva sanção penal de quem pratica tais actos.

A melhor forma de combater a corrupção é promover a transparência das decisões dos poderes públicos, o escrutínio da utilização dos dinheiros públicos e o reforço da capacidade de fiscalização, controle e participação cívica dos cidadãos." (*)

(*) - Extraído de: Manuel Alegre - Revista OPS! - n.º 3 - Março 2009 - Lisboa - Portugal

(Negritos e grafismo da responsabilidade da Torre)

domingo, 12 de abril de 2009

Grande Cronista do Brasil - Stanislaw Ponte Preta (2)



A Casa Demolida

"Seriam ao todo umas trinta fotografias.
Já nem me lembrava mais delas, e talvez que ficassem para sempre ali, perdidas entre papéis inúteis que sabe lá Deus por que guardamos.
Encontrá-las foi, sem dúvida, pior e, se algum dia imaginasse que havia de passar pelo momento que passei, não teria batido fotografia nenhuma.
Na hora, porém, achara uma boa idéia tirar os retratos, única maneira — pensei — de conservar na lembrança os cantos queridos daquela casa onde nasci e vivi os primeiros vinte e quatro felizes anos de minha vida.Como se precisássemos de máquina fotográfica para guardar na memória as coisas que nos são caras!

Foi nas vésperas de sair, antes de retirarem os móveis, que me entregara à tarefa de fotografar tudo aquilo, tal como era até então. Gastei alguns filmes, que, mais tarde revelados, ficaram esquecidos, durante anos, na gaveta cheia de papéis, cartas, recibos e outras inutilidades.
Esta era a escada, que rangia no quinto degrau, e que era preciso pular para não acordar Mamãe. Precaução, aliás, de pouca valia, porque ela não dormia mesmo, enquanto o último dos filhos a chegar não pulasse o quinto degrau e não se recolhesse, convencido que chegava sem fazer barulho.

A idéia de fotografar este canto do jardim deveu-se — é claro — ao banco de madeira, cúmplice de tantos colóquios amorosos, geralmente inocentes, que eram inocentes as meninas daquele tempo.
Ao fundo, quase encostado ao muro do vizinho, a acácia que floria todos os anos e que a moça pedante que estudava botânica um dia chamou de "linda árvore leguminosa ornamental".
As flores, quando vinham, eram tantas, que não havia motivo de ciúmes, quando alguns galhos amarelos pendiam para o outro lado do muro. Mesmo assim, ao ler pela primeira vez o soneto de Raul de Leoni, lembrei-me da acácia e lamentei o fato de ela também ser ingrata e ir florir na vizinhança.

Isto aqui era a sala de jantar.
A mesa grande, antiga, ficava bem ao centro, rodeada por seis cadeiras, havendo ainda mais duas sobressalentes, ao lado de cada janela, para o caso de aparecerem visitas.
Quando vinham os primos recorria-se à cozinha, suas cadeiras toscas, seus bancos... tantos eram os primos!Nas paredes, além dos pratos chineses — orgulho do velho — a indefectível "Ceia do Senhor", em reprodução pequena e discreta, e um quadro de autor desconhecido. Tão desconhecido que sua obra desde o dia da mudança está enrolada num lençol velho, guardada num armário, túmulo do pintor desconhecido.

Além das três fotografias — da escada, do jardim e da sala de jantar — existem ainda uma de cada quarto, duas da cozinha, outra do escritório de Papai. O resto é tudo do quintal.
São quinze ao todo e, embora pareçam muitas, não chegam a cumprir sua missão, que, afinal, era retratar os lugares gratos à recordação.
O quintal era grande, muito grande, e maior que ele os momentos vividos ali pelo menino que hoje olha estas fotos emocionado.
Cada recanto lembrava um brinquedo, um episódio. Ah Poeta, perdoe o plágio, mas resistir quem há-de? Gemia em cada canto uma tristeza, chorava em cada canto uma saudade.

Agora, se ainda morasse na casa, talvez que tudo estivesse modificado na aparência, não mais que na aparência, porque, na lembrança do menino, ficou o quintal daquele tempo.
Rasgo as fotografias.
De que vale sofrer por um passado que demoliram com a casa?
Pedra por pedra, tijolo por tijolo, telha por telha, tudo se desmanchou.
A saudade é inquebrantável, mas as fotografias eu também posso desmanchar.
Vou atirando os pedacinhos pela janela, como se lá na rua houvesse uma parada, mas onde apenas há o desfile da minha saudade.
E os papeizinhos vão saindo a voejar pela janela deste apartamento de quinto andar, num prédio construído onde um dia foi a casa.

Olha, Manuel Bandeira:
a casa demoliram,
mas o menino ainda existe."

Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto) - Texto extraído do livro "A casa demolida", pág. 9, Editora do Autor — Rio de Janeiro - Brasil - 1963.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Marvão, o Ninho das Águias (Alentejo - Portugal)

(1)








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Adicionar legenda
(10)

Fotos - (1) Paula Caldeira; (2) Om Mo; (3) Armando Lourenço; (4) Alberto Muñoz; (5) Tolga Bermek; (6) Phil Simmonds; (7) Daniel Cara Nova; (8) e (9) Rui Dias; (10) Victor Assunção.

El Fénix Coruñés (Galicia - España- 1889)

 
(Fonte: Biblioteca Nacional de España - Madrid)

Álbum de Cromos de Enriqueta Sanfiz (Espanha - 1885)

 
(Fonte: Biblioteca Nacional de España - Madrid)

terça-feira, 7 de abril de 2009

Cuanhamas do Sul de Angola (2) - Os Começos da Vida



“(…) As mulheres cuanhamas, como aliás todas as mulheres das tribos da região, com excepção das Bochimanes, recolhem às suas cubatas para terem os filhos, a não ser que as dores do parto as surpreendam longe de casa.
Durante a operação a parturiente é assistida por uma ou mais mulheres velhas, geralmente próximas parentes, que fazem as vezes de parteiras. É facilmente admitida mais uma ou outra espectadora – poucas, porque a cubata cuanhama é de dimensões muito reduzidas. Aos homens é vedada a entrada antes de tudo estar acabado.



A posição da parturiente é a “de joelhos”, com as nádegas apoiadas sobre os calcanhares. Ao referirem-se a um parto prolongado dizem (por exemplo): “Ela esteve de joelhos desde o nascer do Sol até ao meio-dia”, ou coisa parecida.
As secundinas (ositungwa) são enterradas na cabana. Se tardam a sair, chama-se uma especialista, que administra à parturiente um remédio, em cuja composição entram flores secas de uma variedade de aloés.
O cordão umbilical é cortado à faca e o umbigo da criança é esfregado com o fruto oleaginoso assado do arbusto omupeke.
Tratam, logo depois, de untar todo o corpo da criança com lukula (mistura de manteiga e de pó do cerne da árvore omuuva, de cor vermelho-vivo).


Uma vez que dentro da cubata tudo tenha decorrido normalmente, o pai da criança pode enfim entrar nela.
O que lhe interessa saber, em primeiro lugar, é o sexo do seu filho. Tratando-se de um rapaz, diz-se que nasceu um omu-kwati womafuma (ou seja, um “apanha rãs”).
Sendo rapariga, a ela se referem chamando-lhe omu-twi wouvalelo (isto é, uma “moleira de farinha para o jantar”).
Quatro dias depois do parto, pode a mãe sair da cubata. Antes, porém, já o pai procedeu à imposição de nome ao recém-nascido. Para esse efeito, veio ele tomar lugar no grande pátio, enquanto a mãe e as outras mulheres soltam gritos de alegria dentro da cubata da parturiente.

Os Cuanhamas não se embaraçam grandemente para encontrarem nomes.
Alguém que nasceu durante a noite (oufiku) será Haufiku (tratando-se de um rapaz), e Naufiku (sendo rapariga).
O mesmo acontece com a palavra ongula (“a manhã"), e teremos pois: Hangula (rapaz) e Nangula (rapariga).
Nandyala será alguém que veio ao mundo num ano de fome (ondyala).
Haimbodi é nome de rapaz cuja mãe teve de tomar muitos remédios (oimbodi) durante o período da gravidez. Uma rapariga será nesse caso Naimbodi.



Passado um mês ou mais, realiza-se a cerimónia do corte de cabelos (ekululo).
Chamam-se os convidados, de entre os parentes e os vizinhos. Todos se reúnem no pátio grande. O pai pega na criança e, com uma navalha bem afiada, corta-lhe os cabelinhos.
Senta-se a mãe em frente e vai recebendo pedaços de pirão preparados especialmente para ela, e que ela se esforça por engolir sem mastigar. É um ritual a que atribuem mágico poder.
As parentes e amigas acompanham a manducação da mãe da criança com gritos e cantos de alegria em que inúmeras vezes se repete o estribilho: Oike setueta oludalo? (“Que é que nos trouxe este parto?”).
Em seguida a mãe coloca em volta do pescoço e dos pulsos do pequeno um ou dois fios de missanga e cinge-o na mesma ocasião com uma cinta em volta do meio do corpinho.
Para uma rapariguita, acrescentará dois fios de missanga chamada ondyeva, fabricada com casca de ovos de avestruz. À medida que a rapariga cresce irá aumentando o número das fiadas, e isto até à festa da puberdade. É, com efeito, esta missanga o sinal distintivo da rapariga solteira.

A cerimónia do ekululo acaba num banquete geral para todos os convidados. Já antes disto foi necessário arranjar a pele com que a mãe traz os filho às costas (odikwa).
Ficam os filhos ao cuidado da mãe, que os amamenta durante um ano ou dois. Se o leite for insuficiente, ou se a mãe ficar grávida antes de o filho estar bastante forte, procura-se criá-lo com leite de vaca.

Neste último caso, o filho será quase sempre entregue a uma irmã ou prima da mãe que não tenha meninos pequenos. Sendo rapariga, a criança ficará geralmente a viver com a tia até ao casamento.
Quando os rapazes tiverem 4 ou 5 anos, acompanharão os mais velhos ao pascio de cabritos ou vitelos. As rapariguitas ajudam a mãe nos trabalhos caseiros (…)” (*)



(*) Extraído e adaptado de: Padre Carlos Estermann - Etnografia do Sudoeste de Angola (Vol. I) – Os Povos Não-Bantos e o Grupo Étnico dos Ambós – Junta de Investigações do Ultramar – Lisboa – Portugal – 1960.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Barack Obama, o povo e a esperança...


Há poucas horas, em Praga, República Checa, mergulhado na multidão contra todas as regras de segurança. Caminhando destemidamente os passos firmes de um destino ímpar.
Abrem-se sorrisos rasgados e estendem-se mãos negras, mãos róseas, mãos mulatas, mãos brancas, mãos amarelas - as cores do desalento, do desencanto e da raiva em relação aos políticos e decisores do tempo antigo. Mas, também, as cores de um novo alento e de uma nova esperança.
Difícil é, de facto, ser Barack Obama.
Porque ele não leva propriamente aos ombros os pecados do mundo velho, carrega muito mais do que isso: as esperanças sem medida de um universo inteiro.

(Foto - Jim Young - Reuters)

domingo, 5 de abril de 2009

A Torre e os juízos definitivos...


"Conheci-a era ela uma jovem octogenária, em 1969. Esta semana, a Torre Eiffel fez 120 anos, o que me envelhece mais do que a ela.
Sem saber que seria durante cinco anos a minha paisagem constante, saído da Gare Saint-Lazare corri a vê-la. Fascinado. Então, já tinha passado o tempo que lhe deu aquela patine com a qual o que tem de ser acaba por se impor.

Mas quando ela era novidade, os artistas desprezavam-na.
Guy de Maupassant, Alexandre Dumas Filho e Charles Gounod acusavam-na de desfigurar Paris e fizeram abaixo-assinados de protesto.
Maupassant costumava almoçar no restaurante do primeiro andar mas explicava-se assim: "É o único lugar de Paris em que a vista não é estragada pela Torre Eiffel."

Construída como homenagem efémera ao primeiro centenário da Revolução Francesa, ela esteve quase a ser demolida em 1909.
Só não foi por uma razão prosaica: era necessária como antena.
Décadas depois tornou-se ícone para outros artistas (Chagall, Dufy...).

Agora, a Torre Eiffel é o que é - e mais isto: uma lição de prudência contra juízos definitivos." (*)

(*) - Ferreira Fernandes - Felizmente ela ainda lá está, não é? - Diário de Notícias - Lisboa - Portugal - 2 de Abril de 2009.

sábado, 4 de abril de 2009

Baixar os salários "dos outros"...




"Na Visão de ontem, uma série de economistas e outros especialistas vem, na senda de Silva Lopes, defender uma descida generalizada dos salários em 20%.
O motivo é a crise, assim como, na formulação de António Nogueira Leite, "o desfasamento entre a produtividade e os custos laborais".
Não sendo a economia o meu forte, acompanho Manuel Carvalho da Silva, citado na revista como ficando "maldisposto com a discussão".

Num país:

- onde a diferença entre os rendimentos dos mais ricos e dos mais pobres é das maiores da Europa,
- onde o ordenado mínimo é metade do praticado em Espanha, mas os salários dos gestores estão ao nível dos auferidos na Alemanha,
- e onde o preço dos bens de consumo é equiparado (quando não superior) ao que se pratica no resto da UE,

haver quem ache que o caminho é baixar ainda mais os salários de todos custa um bocado a perceber.

Claro que num contexto específico - o de uma empresa que arrisca fechar - se aceitam ajustes para salvar postos de trabalho.
Mas estabelecer isso como regra geral, ainda por cima fundamentando-a numa espécie de fatalidade estrutural - a do tal desfasamento -, acrescentando ainda que "os portugueses se habituaram mal", surge apenas imoral.

O salário médio dos portugueses é baixo e baixá-lo global e cegamente não pode ser solução.

Primeiro porque muitas pessoas já vivem no limiar da pobreza - mesmo se o nível de vida médio tem aumentado e as expectativas, felizmente, não têm comparação com as que existiam há 30 anos (será isso o "mau hábito"?).

Em segundo lugar, a ideia de que o investimento estrangeiro poderá ser atraído com salários mais baixos já provou há muito a sua valia - há sempre salários mais baixos noutro lado, e é impossível (e indesejável) competir nesse quesito com países em que as pessoas não têm direitos.

Se há empresas que só podem sobreviver com trabalho escravo, então não devem sobreviver - e essa é provavelmente uma das grandes consequências desta crise, a da inevitabilidade de reformulação de certos sectores, sob pena de desaparecerem.

Terceiro: a animação da economia também depende do consumo - se se baixarem 20% os salários de toda a gente, é muito provável que o consumo baixe pelo menos nessa percentagem, implicando a descida de preços, falência de mais empresas e, por arrasto, uma eventual nova descida dos salários, numa espiral sem fim.

Alegar que, por mais que se resista à ideia, a redução salarial se aplicará "a bem" (por acordo) ou "a mal" (devido ao dumping criado pelo aumento do desemprego) é, paradoxalmente, negar a existência do mercado: mesmo num contexto de crise há sectores que florescem.
E se foi uma ideia de mercado em roda livre e louca, sem relação com a realidade e o realismo, que nos trouxe onde estamos, convém talvez não querer substituí-lo completamente.

É capaz de haver uma outra via - a ver se a encontramos, de preferência sem histerias e mantendo em vista algo de fundamental: a dignidade das pessoas e do trabalho."

Fernanda Câncio - Diário de Notícias - 27 de Março de 2009 - Lisboa - Portugal.