quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Miguel Torga - Poema Melancólico a Não Sei Que Mulher


Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anónimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.


Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão...


(Miguel Torga - Poesia Completa - Vol. II - Publicações Dom Quixote - Lisboa)

domingo, 25 de novembro de 2007

Hereros de Angola - Himbas ou Chimbas

Os Himbas (ou Chimbas) são uma tribo do grupo étnico dos Hereros, de que falámos em 28 de Julho de 2007 a propósito de uma outra tribo do mesmo grupo (os Cuvales).







Eram Himbas (Chimbas) os auxiliares do exército português que, em Setembro de 1904, às vésperas da maior derrota portuguesa na África Negra, abandonaram a campanha após o erro terrível do capitão Pinto de Almeida (ver post de 25 de Setembro de 2007).








Quando chegaram, no século XVI, estenderam-se pelo Sul de Angola, nas proximidades do Cunene, e um número elevado atravessou mesmo a correnteza, fixando-se nas paragens áridas e fascinantes do Norte da Namíbia (antigo Sudoeste Africano, colónia alemã).







As mulheres são amáveis, diligentes e belíssimas, distinguindo-se pelos penteados com os característicos e inconfundíveis ornamentos.








Os homens são secos, musculosos e aguerridos, como os Portugueses puderam testemunhar nas suas operações militares no Sul de Angola em finais do século XIX e princípios do século XX.






















































































































































































































































































 
(Fotos: Martin Caron - Willie Coetzer - Sébastien Cailleux - Loic Brohard - Joop Hessels - Isabelle in Namibia).
Para ver mais de Loic Brohard (to see more of Loic Brohard) :

https://www.flickr.com/photos/loic_brohard/

Recadinhos do Padre António Vieira (3) - O Pecado da Omissão




O Pecado da Omissão

“Sabei, cristãos, sabei, príncipes, sabei ministros, que se vos há-de pedir estreita conta do que fizestes, mas muito mais estreita do que deixastes de fazer.
Pelo que fizeram, se hão-de condenar muitos; pelo que não fizeram, todos.
As culpas por que se condenam os réus são as que se contêm nos relatórios das sentenças.

Lede agora o relatório da sentença do Dia do Juízo e notai o que diz: Ide, malditos, ao fogo eterno! -
E porquê? (…)
Porque não destes de comer,
porque não destes de beber, porque não recolhestes, porque não visitastes, porque não vestistes.

Em suma, que os pecados que ultimamente hão-de levar os condenados ao inferno são os pecados de omissão.
(…) Por uma omissão perde-se uma inspiração;
por uma inspiração perde-se um auxílio;
por um auxílio perde-se uma contrição;
por uma contrição perde-se uma alma;
por uma omissão dai contas a Deus de uma alma (…)”

(Padre António Vieira)

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Velha Poesia Árabe na Península Ibérica (IV) - Apelo


Ó Dona dos Corações,
em ti talvez
Esteja a causa do tormento do cantor.
Ainda uma vez
Diz adeus a quem te quer,
E que, sem ti,
por nada sente amor.
É que, se por acaso,
longe surges na lembrança
Por ti choro pranto de criança.

(Ibn Habib, que viveu na Silves almorávida - séc. XI)

(Foto de P. Costa)

domingo, 18 de novembro de 2007

(Miguel Torga) - Serenata em Dó Maior


A minha vida é uma cena triste,
Dessas que se fazem numa praça
Por causa duma mulher...
Todos passam, todos olham
E sorriem da paixão...
Mas o namorado insiste:
- Minha Senhora, responda:
Sim ou não!
Sim ou não!


Ah! mas a senhora não responde!
Porque não é resposta aquela esperança
Dada num vago talvez...
E o pobre pobre-diabo
Leva a mão ao coração
E diz:
Minha Senhora,
Mate-me duma vez...

A minha vida é isso e muito mais,
Em direcção às cartas e aos sinais
De aprender a namorar...
Foi tudo colhido em mim,
Porque eu sou um pobre Adão
A começar...


(Miguel Torga - Poesia Completa - Vol. 1 - Publicações Dom Quixote - Lisboa)

sábado, 17 de novembro de 2007

Agressores e Agredidos

 
"A globalização abriu uma excepção cultural que tende a aniquilar o mais nobre dos direitos humanos: o direito ao trabalho.
Um pouco por todo o lado, esse direito é espezinhado ou, simplesmente, não existe.
Criaram-se leis que parecem constituir uma fuga dilatória de qualquer discussão sobre o assunto, como se este permanecesse definitivamente encerrado.
Não será de mais insistir na interiorização do princípio de igualdade, recomendado na Carta dos Direitos Humanos.
O direito ao trabalho concentra, em si mesmo, o conceito de liberdade e de justiça social, numa compreensão das razões do outro que deve tornar-se num compromisso político e ético.

No mesmo dia em que, no Público, Francisco Sarsfield Cabral, abandonando o estilo pungente que o torna no espírito mais mortificado dos "colunistas" portugueses, dava com o sarrafo nos protestatários antiglobalização, - nesse mesmo dia [11. Junho p.p.], no Diário de Notícias, Céu Neves assinava a segunda parte de uma notável reportagem, sobre os "prestígios" do mercado, através de experiência pessoal na Holanda.
E, à noite, no Prós e Contras, da RTP, os depoimentos sobre os escravos do século XXI atingiram níveis de dramática tensão, sobretudo com as corajosas declarações de António Esteves Martins.

Entre a urgência em se combater os novos códigos sociais, impostos por uma ordem económica cuja selvajaria é constantemente omitida, e os que invocam e ratificam o inverso dos princípios - creio não haver hesitação na escolha.
Sarsfield Cabral estabelece confusos paralelismos entre "acesso aos mercados dos países desenvolvidos" e o que entende ser "folclore mediático".
O G8 não estabelece novas relações de civilidade, nem a natureza da sua estrutura é de bonomia. A agressividade está-lhe na índole; o coração gelado é a sua profissão de fé.

Como num contraponto, o impressionante requisitório de Céu Neves fornece-nos amplos motivos de reflexão. Durante duas semanas ela foi operária numa fábrica de tomates.
Ganhou 200 euros e experimentou a brutalidade do trabalho escravo.
Muitos outros portugueses, por essa Europa fora, são submetidos a leis atrozes, reveladoras de um sistema monstruoso, apregoado como "melhorável", embora "inevitável".

Em Portugal as condições de trabalho dos imigrados são semelhantes.
Os novos protagonistas dos grandes desesperos nacionais andam de um para outro lado, em busca do pão e da equidade que lhes negam.
É esta Europa "globalizada" que desejamos - criadora de sociedades a funcionar segundo regras tão implacáveis quanto desumanas?
E como devemos qualificar os seus panegiristas?"

(Baptista-Bastos - Diário de Notícias - 13 de Junho de 2007)

(Miguel Torga) - À Beleza

 
Não tens corpo, nem pátria, nem família,
Nem te curvas ao jugo dos tiranos.
Não tens preço na terra dos humanos,
Nem o tempo te rói.
És a essência dos anos,
O que vem e o que foi.

És a carne dos deuses,
O sorriso das pedras,
E a candura do instinto.
És aquele alimento
De quem, farto de pão, anda faminto.

És a graça da vida em toda a parte,
Ou em arte,
Ou em simples verdade.
És o cravo vermelho,
Ou a moça no espelho,
Que depois de te ver se persuade.

És um verso perfeito
Que traz consigo a força do que diz.
És o jeito
Que tem, antes de mestre, o aprendiz.

És a beleza, enfim! És o teu nome!
Um milagre, uma luz, uma harmonia,
Uma linha sem traço…
Mas sem corpo, sem pátria e sem família,
Tudo repousa em paz no teu regaço!


(Miguel Torga - Poesia Completa - Vol . 1 - Publicações Dom Quixote - Lisboa)

(Foto de Joãocarlo)

Rainha Isabel, a Católica, de Espanha (1451-1504) - Beatificação no Horizonte?


Luis Suárez Fernández, porventura um dos maiores se não o maior especialista da história dos Reis Católicos de Espanha, deu há tempos a entrevista seguinte sobre um processo tão apaixonante como controverso - o da beatificação de Isabel, a Católica.
Ele faz parte da Comissão de Beatificação e foi testemunha no respectivo processo.
Ao juízo de cada um..

MADRID (ZENIT.org).- Luis Suárez, miembro de la Real Academia de la Historia y Premio Nacional de Historia 2002, está reconocido internacionalmente como un profundo conocedor de la reina Isabel la Católica. La redacción de Zenit ha conversado con el historiador.

(Z) ¿Por qué Isabel la Católica es una figura histórica tan controvertida, con defensores y detractores declarados?
(L. S. F.) - Yo no lo sé, a mí me sorprende también que ocurra una cosa así.
En otros países no habría la menor duda, pero a mí me da la impresión de que influyen dos cosas fundamentales:
Isabel iza la unidad española y ya estamos viendo que hay personas a quienes esto molesta, desearían que España volviera otra vez a la prehistoria o a la época de los arévacos, y naturalmente ésta es una de las razones; la otra es porque Isabel, como su título oficial indica, hizo del catolicismo la clave fundamental para el reconocimiento de los derechos humanos en España y en América, y hoy el catolicismo también es objeto de debate que influye indirectamente en esta figura.

El hecho de que se expulsara a los judíos de España, yo diría mejor, se prohibiera la práctica del judaísmo (porque el judío que se convertía no se debía marchar) también ha creado un ambiente negativo en torno a su persona, porque no se tiene en cuenta que esta medida fue una medida general en Europa, y que España en realidad fue la última en aplicarla, y lo hizo cuando ya no quedaba otro remedio, cuando las presiones desde fuera eran sumamente fuertes.

Pero no hay ninguna figura europea, de las que tanto nos vanagloriamos ahora, a quien no puedan atribuírsele errores, como fue éste el caso, un error no particular de los gobernantes de España, sino de toda la cristiandad occidental, en todos los reinos; el judaísmo estaba prohibido desde mucho tiempo atrás en Inglaterra y en Francia, en Nápoles, y prácticamente en toda Europa, sólo quedaban algunos pequeños lugares, muy pocos en donde se autorizase, por consiguiente es la norma general.
No veo otras razones ni otros motivos para esta controversia.

(Z) No cree que también en torno al papel de la reina en la conquista de América existe esta controversia?
(L .S. F.) - Bueno, la conquista de América fue una de las cosas mejores que se pudieron hacer nunca.
La reina no conquista América, la descubre, es la primera en muchos siglos que reconoce que los habitantes de América son hombres como los demás, que han sido redimidos por Cristo y tienen que ver reconocidos sus derechos humanos.
Sin esta postura de Isabel la Católica no se habría llegado a la Constitución de los Estados Unidos, que repite prácticamente lo que ella dijo, que Dios nos ha hecho a todos libres, iguales y en búsqueda de la felicidad, y ése es su testamento.
Por eso en América no hay una oposición, al contrario, existe un poco la actitud opuesta de decir «pero bueno, cómo esos europeos pueden ser tan ciegos que no se den cuenta de que aquello fue el gran momento».
Luego, por razones políticas siempre hay gente que empieza a hablar de las atrocidades que se cometieron. América en el siglo XVII es un oasis de paz al lado de lo que es Europa; Europa vivía por, para y en la guerra, una guerra, la de los 30 años, que alcanzó niveles de crueldad nunca antes imaginados; en América, la guerra era una palabra casi desconocida; naturalmente que había delitos, como en todas partes; eso es inseparable del hombre.

(Z) - Como investigador y profundo conocedor de la reina ¿qué rasgo destacaría de su personalidad, a nivel de política, de madre y de reina? En general, ¿qué virtudes y qué defectos ha visto al estudiar este personaje?
(L. S. F.) - Yo creo que Isabel fue mujer antes que reina. Y aplicó el sentido de la feminidad, la intuición, el afecto, la capacidad comprensiva, a todas sus empresas.
Es verdad que tuvo la suerte de contar a su lado con un rey como Fernando, que en algunos aspectos la superaba, en otros no, y que hubo entre ambos un entendimiento tan completo que no se puede hablar de una política de uno y de una política de otro, pero lo que establece de una manera clara Isabel es el derecho de la mujer a reinar.

En España no se había producido como en Francia una negativa tan rotunda al reconocimiento de los derechos de las mujeres, pero estos derechos eran más para ser transmitidos a los hijos o a los maridos que para ser ejercidos por ellas mismas. Isabel establece el principio contrario: no hay diferencia en cuanto a la capacidad de gobierno entre hombre y mujer, y así educa a sus hijas, y así procede ella misma también.
Luego, Isabel fue muy consciente de una doctrina heredada de la Edad Media, según la cual todos los poderes del Estado y toda la legislación tienen que someterse al orden moral; éste está por encima de cualquier otra consideración, es lo que ella está procurando mostrar en todo momento.

Por ejemplo, hablábamos antes de cuando se toma la decisión de prohibir el judaísmo, pues hay una preocupación que no había habido en los otros reinos de Europa, hay una preocupación de que los judíos dispongan de un plazo para decidir, y además, tengan disponibilidad de todos sus bienes para que nadie pudiera decir que había un perjuicio material en lo que entonces se consideraba como un beneficio moral, que es la unidad religiosa. Aparte de esto, ella mostraba en su actitud diaria una enorme comprensión ante las debilidades de los demás.

En el testamento aparece constantemente esta preocupación: rectificar los daños que hayamos podido causar, reparar todo. Una mujer y un marido, porque yo aquí no veo diferencia entre uno y otro, que al término de una guerra civil son capaces de eliminar toda clase de represalias y de pactar con aquellos que estuvieron sublevados en su contra y les negaban, para garantizarles que no van a sufrir perjuicio ninguno, sino que van a seguir desempeñando las funciones sociales y el nivel que hasta entonces ocupaban, eso es un ejemplo de primera categoría, y eso lo logran; por eso es una guerra civil que se cierra sin resentimientos, cosa muy difícil, porque lo normal en las guerras civiles es que se creen resquemores que afloran incluso a veces después de décadas muy largas; ella lo evita.

Ella tiene por ejemplo la intuición, a pesar de todos los informes en contra, y los informes tenían razón (Colón estaba diciendo que iba a llegar a China, y era imposible llegar a China), que le permite patrocinar la empresa pensando «algo se podrá encontrar»; esa intuición es uno de los rasgos verdaderamente importantes. Luego yo veo otro rasgo también: la confianza que tenía en algunas personas no fue desmentida en ningún momento, es decir, los colaboradores duran hasta el final de su vida; es capaz además de mostrarles un enorme afecto.

(A Morte de Isabel - Eduardo Rosales - séc. XIX)


(Z) - Esto confirma su gran intuición...
(L.S.F.) - Indudablemente ella sabía muy bien elegir a la gente, porque se guiaba más bien por el carácter de la persona que por otra cosa. Por eso claro, le rodea gente que siente hacia ella un afecto sin límites, sienten por la reina una adhesión que sin embargo se mueve en el terreno de la lealtad y no de la fidelidad; en la Castilla de entonces se hacía muy bien la diferencia entre estas dos palabras, fiel es el que sigue al señor sin preguntarse por la justicia de su causa, leal es aquel que procura que el señor no vaya a cometer injusticia.
Isabel quiere rodearse de leales, de gente que como don Fernando de Talavera en determinado momento le puede decir «Señora, por aquí no, esto no, es una equivocación»; gente como Cisneros, que la primera vez que le administra el sacramento de la Penitencia le dice «de rodillas», y la reina se pone de rodillas; según la vieja costumbre, los reyes se confesaban sentados, pero Isabel no.
Es muy difícil decir muchas más cosas de éstas.

Por ejemplo, ella se siente portuguesa por su madre, indudablemente habla portugués, en un momento en que las relaciones entre Portugal y Castilla desembocan hasta en una guerra, su empeño siempre es volver a restablecer esa amistad, y lo consigue claro, al final es como si Castilla y Portugal fuesen una misma y sola cosa. Hay que ver lo que es el Tratado de Tordesillas, el mayor modelo de concordia que se puede establecer entre dos países, en un momento en que se estaba jugando el destino del mundo, y sin embargo ellos se sientan en torno a una mesa para intentar compaginar los intereses de unos y otros a fin de que todos quedaran conformes, y eso se hace; eso no se había dado nunca y pocas veces se dará después; eso es un sueño que tienen los Estados.

Del Tratado de Tordesillas nacen las bulas en relación con América diciendo «eso no es un imperio, eso no son colonias».
Es un error decir que España tuvo un imperio, un error gravísimo, a mí me indigna cada vez que alguien lo dice; España no tuvo colonias, tuvo reinos y tuvo ciudadanos al otro lado del mar.
Para hacer trampa con esta situación, los grandes propietarios, siglos después, tuvieron que comprar negros ya esclavos en África para poder introducir allí esa servidumbre a la que aspiraban, porque las leyes de Castilla se lo impedían radicalmente: ningún indio podía ser esclavo.
Eso es esa mujer, esa mujer que una vez le escribe al marido una carta; el marido ha sufrido un atentado y está grave y le dice «acuérdate de que tenemos que rendir cuentas ante Dios, y las cuentas que nos va a pedir a nosotros, los reyes, son mucho más estrechas que las que pide a ninguno de nuestros súbditos».

(Z) - Respecto a la causa de beatificación de Isabel la Católica, ¿qué importancia tendría para usted que la Iglesia la declarara oficialmente beata?
(L. S. F.) - No me cabe la menor duda de que la beatificación de Isabel sería en estos momentos un dato muy positivo en relación con esa comunicación que hay entre Europa y América, porque supondría tanto como reconocer que América tiene un marchamo de nobleza y de dignidad.
Utilizando una frase del Papa, sería convertir en oficial esa afirmación de que ninguna obra ha hecho Europa tan importante como la creación de las naciones americanas, en las que está además el futuro, y eso se debe al empeño de España de llevar allá lo que tenía de más valor: el cristianismo.
Yo siempre digo que España no llevó a América más que dos cosas, el caballo y el Padrenuestro; pero el caballo es el sentimiento de la caballería, es el respeto a la palabra dada, es el cumplir con la realidad; el Padrenuestro es amar al prójimo como a uno mismo, ni más ni menos.
Y a mí me parece que la beatificación de Isabel vendría a ser como el marchamo oficial a decir «todo esto es lo que verdaderamente se ha hecho; pongan ustedes los defectos que les dé la gana, pero ahora, lo que tienen al otro lado del mar es un mundo que se está preparando para tomar las riendas en el siglo XXI, en él está el futuro».

Túmulos de Isabel e Fernando, Reis Católicos (Granada)

(Z) - De alguna manera ¿este reconocimiento oficial dejaría sin ningún tipo de credibilidad la leyenda negra?
(L. S. F.) - Claro, indudablemente.
La leyenda negra no es más que un vehículo de propaganda, explicable, en un momento de guerra terrible en Europa, porque no se refería a América al principio, sino a Europa, en un momento terrible porque hay que poner en marcha todos los recursos de los que uno dispone para destruir al adversario, y uno de los recursos es precisamente ese.
A ello estamos asistiendo constantemente; no hay guerra en donde al enemigo se le presente de otra manera que como la encarnación del diablo o algo así.
Indudablemente despejaría el aspecto más esencial de esa leyenda negra, aquél que recogió una vez un artículo de la Enciclopedia en Francia (que explica que se prohibiese la venta del libro en España) en donde el autor llegaba a la conclusión de que si España no hubiera existido no se habría perdido nada; vendría a ser como decir, gracias a que España existió está todo eso ahí.

Si España no hubiera existido ,¿existiría Viena? Tal vez no. ¿Existiría el catolicismo francés o italiano? Tal vez no. ¿Existirían las naciones americanas con lo que tienen hoy de profundos valores humanos? Seguramente no.
Yo siento cuando he ido a América una gran emoción y un enorme afecto, porque uno allí se siente en casa, y hay que ver lo que eso significa.

(Z) - ¿Usted forma parte de la comisión Isabel la Católica que se ha creado para impulsar la causa de beatificación?
(L. S. F.) - Yo fui testigo en el proceso, por eso estoy bajo juramento que prohíbe repetir lo que dije entonces. Ahora formo parte de la Comisión que funciona en Valladolid, bajo la presidencia del señor arzobispo.

(Z) - De cualquier forma, si se la beatifica, va a ser fundamentalmente por su conducta moral ¿Qué aspectos religiosos de la reina, de su piedad, de su espiritualidad, ha visto en sus investigaciones?
(L. S. F.) - La caridad. Sobre todo la caridad.
Piense por ejemplo en los hijos ilegítimos de la mujer de Enrique IV, Pedro y Andrés; ella los recoge, los educa y los cuida. Cuida también de los ilegítimos de su marido, cuida de los hijos del cardenal Mendoza, y siente hacia todos ellos una obligación de afecto que va más allá del simple ejercicio de la caridad.

Una vez que fray Hernando de Talavera le criticó por esta conducta diciendo «da la impresión de que usted está legitimando el fruto del pecado», ella respondió que lo importante era evitar que esas almas se perdieran, y llamando a uno de los niños, hijo del cardenal Mendoza, le gastó una broma a fray Hernando y le dijo: «¿verdad que son muy bellos los pecados de mi cardenal?».

(ZENIT - España)

domingo, 11 de novembro de 2007

O rei Juan Carlos de Espanha ao presidente Hugo Chávez, da Venezuela: "Porque não te calas?"


(Extraído do jornal Expresso de 10 de Novembro de 2007)

O Rei Juan Carlos não se conteve e na última sessão plenária da XVII Cimeira Ibero-Americana, a decorrer em Santiago do Chile, mandou calar o Presidente venezuelano, Hugo Chavez, com um frontal "porque não te calas?".

Este momento pouco protocolar aconteceu quando o polémico chefe de estado não parava de interromper o primeiro-ministro espanhol, José Luiz Zapatero, depois de este ter pedido contenção nas palavras de Chávez, que qualificou o anterior primeiro-ministro espanhol, José María Aznar, como um "fascista de todo o tamanho".

Esta terá sido a gota de água que fez transbordar o copo, pois Chávez já ontem havia desconsiderado o ausente José Maria Aznar, sem que Zapatero dissesse nada.
Hoje tudo foi diferente.
O chefe do governo espanhol pediu a palavra para lembrar a Chávez que estava reunido com vários líderes de governos democraticamente eleitos e por isso devia demonstrar respeito, mais que não seja pelos cidadãos e pelos países que representam.


Um Rei sem papas na língua

"Podemos estar nos antípodas de uma posição ideológica e eu não estou nem sequer perto das ideias de Aznar, mas ele foi eleito pelos espanhóis e exijo respeito", pediu Zapatero, enquanto Chávez tentava, mesmo com o microfone desligado, interromper o espanhol, alegando o seu direito à liberdade de opinião.

Este comportamento do venezuelano roubou alguma compostura ao monarca espanhol, que com um ar visivelmente enfadado e depois de já ter tentado intervir, soltou um "porque não te calas?", que ficou algures entre um pedido e um lamento, mostrando assim que para além de azul, o seu sangue também é latino.

A presidenta chilena e anfitriã da cimeira, Michelle Bachelet, não teve outra solução senão pôr termo a este imbróglio diplomático, para que o encontro não se tornasse numa troca de acusações.
Depois da palavra ser devolvida a Zapatero, o primeiro-ministro espanhol pediu para que não se caia na ofensa fácil, mesmo que se discorde radicalmente das ideias de outra pessoa.



"O direito à defesa" de Chávez

Esta situação insólita levou a que Juan Carlos, em mais uma quebra do protocolo, tivesse abandonado a sala pouco tempo depois. Segundo afirmou fonte do governo espanhol, o Rei saiu do plenário para "demonstrar o desagrado da delegação espanhola" em relação aos ataques a Aznar.

Michelle Bachellet mais uma vez teve de tomar as rédeas da situação, saindo da sala para convencer Juan Carlos a regressar, o que foi aceite imediatamente pelo monarca, que assim voltou a integrar a comitiva espanhola.

Ao lado de Chávez esteve o presidente nicaraguense, Daniel Ortega, que aproveitou para atacar as empresas espanholas a operar na Nicarágua e os sempre fiéis cubanos, que pela voz do vice-presidente, Carlos Lage, reconheceram "o direito à defesa" de Hugo Chavez.
Segundo Lage, o venezuelano terá sido alvo de várias ofensas por parte de Aznar, que também desconsiderou a Venezuela e o seu povo.

(Expresso - Lisboa - 10 de Novembro de 2007)

Ramalho Ortigão - Fracasso do Rotativismo (Um Texto Com 96 Anos)

(Retrato de Ramalho Ortigão - por Columbano Bordalo Pinheiro)

"O acordo de dois partidos, revezando-se sucessivamente no poder, dizendo-se um liberal e outro conservador, segundo o regime inglês, falhara inteiramente na sua reiterada aplicação prática.
O jogo permanente dessa rotatividade representativa, com vinte anos de funcionamento automático, desgastara todas as engrenagens, boleara todos os ângulos, puíra todas as arestas, safara todos os cunhos que caracterizavam o sistema.

Quem eram os liberais que pela contribuição de novas ideias se propunham acelerar a energia propulsora do parlamentarismo no sentido do mais rápido progresso?
Quem eram os conservadores incumbidos de coordenar a marcha e de manobrar os travões do maquinismo?...

Ninguém o saberia dizer, porque nenhum dos dois partidos a si mesmo se distinguia do outro, a não ser pelo nome do respectivo chefe, politicamente diferenciado, quando muito, pela ênfase pessoal de mandar para a mesa o orçamento ou de pedir o copo de água aos contínuos.

Um facto sumamente grave preocupava, no entanto, a atenção dos que isoladamente contemplavam a integral concatenação dos acontecimentos.
Esse facto era a decomposição da sociedade, lentamente, surdamente, progressivamente contaminada pela mansa e sinuosa corrupção política.

Quantos sintomas inquietantes!

A indisciplina geral,
o progressivo rebaixamento dos caracteres,
a desqualificação do mérito,
o descomedimento das ambições,
o espírito de insubordinação,
a decadência mental da Imprensa,
a pusilanimidade da opinião,
o rareamento dos homens modelares,
o abastardamento das letras,
a anarquia da arte,
o desgosto do trabalho,
a irreligião,
e, finalmente,
a pavorosa inconsciência do povo."


(Ramalho Ortigão - Últimas Farpas - 1911)

José Duarte Ramalho Ortigão nasceu no Porto a 24 de Outubro de 1836. Os primeiros anos da infância passou-os no campo, em casa da avó materna. Frequentou o curso de Direito em Coimbra, que não concluiu.
De regresso à sua cidade natal, leccionou Francês, durante alguns anos, no Colégio da Lapa, dirigido por seu pai, onde teve como aluno o jovem Eça de Queirós.

A partir de 1862 dedicou-se ao jornalismo. Foi crítico literário do Jornal do Porto e colaborou na Revista Contemporânea e na Gazeta Literária. Iniciou-se no jornalismo e na literatura no momento em que a segunda geração romântica dominava as letras portuguesas (Camilo, Soares de Passos, Arnaldo Gama...).


Por esse motivo, não é de estranhar que tenha participado na célebre polémica conhecida por Questão Coimbrã, com o texto Literatura de Hoje (1866), defendendo António Feliciano de Castilho dos ataques que lhe eram dirigidos.

Essa atitude acabou por levá-lo a enfrentar Antero de Quental em duelo.
Apesar disso, anos mais tarde, vamos encontrá-lo ao lado dos jovens da Geração de 70. Foi nessa altura que escreveu, em colaboração com Eça de Queirós, O Mistério da Estrada de Sintra (1871) e as primeiras Farpas.
Quando Eça ingressou na carreira diplomática e foi nomeado cônsul em Havana (Cuba), Ramalho continuou sozinho a redacção das Farpas.

Em 1870 tinha sido admitido como funcionário da Academia das Ciências, o que lhe permitiu instalar-se definitivamente em Lisboa e dedicar-se, paralelamente, ao jornalismo e literatura.
Anos mais tarde, em 1895, viria a ser nomeado bibliotecário do Palácio da Ajuda.
Ramalho Ortigão, embora tenha mantido durante dezenas de anos um certo prestígio, nunca ombreou com Eça ou Antero como criador literário.

Na fase inicial das Farpas, mostrou-se um observador atento e crítico da vida portuguesa. No espírito da Geração de 70, e recorrendo a um estilo irónico, pretendia aproximar Portugal das sociedades modernas de então. A partir de 1872, a sua formação mais tradicionalista impôs-se e passou a dar mais atenção aos aspectos pitorescos da realidade portuguesa e a orientar-se por um certo bom senso burguês, pouco propício às mudanças radicais. Esse espírito conservador foi-se acentuando com a idade e, já no século XX, Ramalho acabou por se integrar na corrente nacionalista, então em formação.

Outro aspecto em que se distinguiu foi o das impressões de viagem, deixando-nos algumas obras que ainda hoje podem ser lidas com algum prazer.
Faleceu em Lisboa, a 27 de Setembro de 1915.


(De: Aprender Português - 2000)